O sol ainda não tinha anunciado o começo da manhã mas Clara já estava de pé para preparar pão e café preto para dezenas de soldados. Enquanto o forno tratava de assar o delicioso pão, receita de sua mãe, ela passava, em várias doses, o café da mesma forma que a avó fazia.
- Uma pena. Vão ter que esquentar na fogueira. - Pensou em voz alta quando os primeiros raios de sol surgiram no horizonte. Quase que combinados, também começaram aparecer alguns soldados, entre eles Valente.
- Bom dia, Clarinha! - Disse Valente ao abraçar a irmã, atrás deles mais quatro soldados acenaram para a professora. - O Tenente Mário mandou que eles ajudassem você nos afazeres.
- Bom dia! Ótimo, ajuda sempre é bem vinda! - Respondeu Clara ao analisar a aparência dos rapazes, todos bem magros e frágeis, dois deles tinham um ar feminino em seus movimentos. - Como incentivo, já vou lhes servir o último café que passei.
Enquanto Clara servia cinco xícaras de café para os rapazes, outros soldados apareceram na porta carregando seus uniformes sujos que seriam deixados ali para lavagem. Em sua mente, no salão do trono, Clara percebeu que Enzo estava bem abatido e, mesmo, não simpatizando com o rapaz, resolveu perguntar:
- A conversa de ontem foi difícil?
- Você não tem idéia. O pior é que não posso nem desabafar direito com você, sem quebrar as regras. - Lamentou Enzo ao ver a mulher se aproximar.
- Não precisa entrar em detalhes, mas se quiser tentar, estou ouvindo. - Respondeu Clara.
- Eu cometi alguns erros que terão consequências que afetarão outras pessoas. - Revelou Enzo quase se encolhendo atrás da mesa.
- E daí? Todos cometem erros. - Disse Clara ao se curvar sobre a mesa para tentar ver Enzo melhor. - Dos menores aos maiores, nem por isso é o fim do mundo. Basta se desculpar com os envolvidos e fazer algo para consertar as coisas.
- Alguns erros que eu cometi, posso resolver dessa forma. Mas esse erro específico afetará oito bilhões de pessoas. - Explicou Enzo - Nem que eu quisesse conseguiria me desculpar com cada um, nem sei se tenho como consertar esses erros.
- Acho que nesse caso fica difícil. - Disse Clara - Quem dera pudesse voltar no tempo e desfazer seus erros.
- Quem dera...- Respondeu Enzo com um leve sorriso nos lábios que foi notado por Clara, mas não entendido pela professora. A mulher, fora de sua mente, tinha terminado de dar café da manhã para todos os soldados e junto com seus ajudantes, foi até o rio para lavar os uniformes, visto que na fazenda havia apenas um tanque para cinco lavadores.
A água gelada do rio foi providencial, pois refrescou a todos em meio ao calor que se formava com o avançar do dia. Então, como crianças, os soldados ajudantes começaram a brincar de jogar água um no outro.
- Olha a roupa precisando ser lavada e vocês aí na farra! - Disse Clara, calmamente, mas os rapazes a ignoraram. - Vocês tão me ouvindo?
- Ouvimos, mas não vamos obedecer. - Disse o mais alto deles, talvez por isso, passava a imagem de mais masculino. - Tá para nascer mulher pra dar ordem em soldado.
- Você está certo, mas se fossem bons soldados não seriam designados para lavar a roupa e cozinhar. - Provocou Clara enquanto esfregava o sabão com força no uniforme.
- E quem disse que só fazemos isso? - Perguntou o mais baixinho dos ajudantes,
- Certo, então me contem seus feitos em batalha? - Desafiou Clara, mas não recebeu respostas. - Talvez seja melhor vocês voltarem a esfregar esses uniformes, pois eu quero entregá-los como se estivesse novos.
Dentro de sua mente, Clara esbravejava sobre os quatro rapazes e sua petulância de dizer que não a obedeceriam por ser mulher.
- São uns covardes. Por isso, não colocam eles em batalha. - Disse Clara de forma firme e revoltada. - Não se fazem mais homens como antigamente. Fora de sua mente, Clara e seus ajudantes já tinham voltado para Fazenda e preparavam o almoço. Ela terminava de supervisionar, silenciosamente, os quatro soldados picarem os ingredientes. A preparação também foi silenciosa. Depois de servirem toda a tropa, Clara e seus ajudantes estenderam os uniformes para secarem, ainda em silêncio, pois nem os soldados, nem Clara sabiam como quebrar o gelo depois daquela situação no rio.
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Sete Erros
Ficción GeneralSete Erros é uma jornada pela história do Brasil que tem como pano de fundo diversos momentos: - Os dias que antecederam a visita do Santo Ofício - A criação da bandeira de Pernambuco no fim do Brasil Colonial - Um romance impossível às vésperas da...