Sete Erros

CAPÍTULO 18 - UMA VIDA ROUBADA

Uma enxurrada de informações tomam a mente de Enzo em questão de segundos. Mas como o tempo é relativo, foi o suficiente para acessar as memórias de Xica desde sua infância. A primeira imagem que lhe veio à cabeça foi, em 1566, um desfile onde um garoto chamado Shomari, estava sentado, sendo carregado pelos súditos de seu pai, Estrondo, o rei de DuCongo. Ao fundo, o vulcão Nyiragongo soltava fumaça pelo cume enquanto o povo gritava animadamente ao ver a família real..

- Um dia, Lumumba, essas pessoas serão lideradas por você! - Shomari ouviu sua mãe, a rainha Vana, dizer para seu irmão mais velho.

Rapidamente aquela imagem se desfez e outra se formou na mente de Enzo revelando acontecimentos de algum tempo depois. Shomari mexia nas roupas de sua mãe e colocava um de seus turbantes. Quando sua mãe o surpreendeu, não sentiu vergonha, pois não se sentiu julgado pelo olhar da mãe que, apenas, o repreendeu:

- Da próxima vez, peça, que eu te dou. Mas se gostou tanto desse, pode ficar.

Mais uma vez, a imagem deixa de ser visível para dar espaço para outro momento, anos mais tarde, em 1572. Agora adolescente, Shomari, usando o mesmo turbante que ganhou da mãe, anos antes, ouvia as palavras de Katokwe, a quimbanda mais poderosa do reino. lhe ensinava a arte de incorporar espíritos quando quatro homens brancos entraram violentamente no ambiente e ordenando:

- Rendam-se ou morram! - Disse o mais velho dos homens.

Em seguida, os homens amarram Shomari e Katokwe antes de levá-las pelas ruas do reino. Mesmo assustada e tentando se soltar, Shomari, conseguiu ver seu povo sendo amarrados uns aos outros e colocados ajoelhados lado a lado. As vestes femininas de Shomari não deixaram dúvida aos homens brancos que ela deveria ser colocada junto das mulheres. Ela sentiu um alivio ao ver sua mãe, mas o sentimento não durou muito, pois um dos homens brancos ordenou que um grupo de mulheres, entre elas, Vana, fossem para o navio que iria de volta à Europa, mas que o outro grupo, onde Shomari estava, seria enviado ao Brasil.

Subitamente a imagem se desfaz, mas não avança muitos anos, apenas alguns dias e revela momentos da viagem de Shomari ao Brasil. Estava dormindo, de pé, quando foi acordada por gritos de agonia. Ali perto, havia duas mulheres que se contorcem deitadas no chão enquanto outras tentavam ajudá-las como podiam. A primeira mulher está fazendo forças para dar a luz enquanto a outra cedia aos delírios da enfermidade que enfrentava. Os gritos eram desesperadores, mas se misturaram com o som que vinha da ala masculina que parecia brigar entre si antes de serem controlados violentamente pelos homens que trabalhavam no navio negreiro.

Pela última vez, a imagem é transformada e avança alguns meses depois, após Shomari desembarcar em terras brasileiras sendo entregue para Mathias Pereira que a colocou, exposta como um animal, no mercado de escravos. Em seguida, Antônio, o sapateiro aparece e negocia com o vendedor a compra de uma escrava para ajudá-lo na sapataria. Mathias contou o dinheiro e acenou com a cabeça, indicando que Antônio poderia escolher a que mais lhe agradasse.

- Essa aqui! - Disse Antônio apontando para Shomari depois de caminhar pela longa fila de escravas expostas ali - Qual é o seu nome?

- Shomari - Respondeu receosa.

- Vou te chamar de Xica, que é mais fácil! - Definiu Antônio enquanto Mathias desamarra Shomari.

A forte dor na cabeça se foi e Enzo caiu ajoelhado ao chão. Se sentia como se tivesse sido atropelado e não tinha forças para se levantar. Foi preciso que Xica entrasse na pequena caverna e o ajudasse a se levantar para caminhar de volta à cratera. Ela o colocou sentado, encostado em uma pedra, antes de dizer:

- Acho que foi demais para você!

- Você...Você é uma princesa! - Respondeu Enzo antes de se deitar para descansar.