CAPÍTULO 87 - CUIDA DAS CRIANÇAS QUE EU JÁ VOLTO

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Ficou aguardando a porta do escritório do Sr. Tônico se abrir, e Clara pode ver o Tenente Mário deixando o local e se despedindo do administrador da fazenda em agradecimento pela hospitalidade. Mesmo tentando disfarçar, para não ser percebida, o tenente não deixou de passar por ela sem brincar:

- O que será da minha tropa sem os seus pães, Clara ?

O homem acenou com a cabeça, em despedida, gargalhou alto e continuou caminhando para fora da casa principal. E assim que ele chegou na parte externa da casa, Maria correu para dentro do escritório de Tônico.

- Seu Tônico! Seu Tônico! - Disse Clara, um tanto desesperada.

- Que desespero é esse minha filha? - Pergunto Tônico antes de fazer uma brincadeira - Vai perder o último caminhão da coluna?

- Eu preciso que você envie um recado para meus filhos e meu pai. Diga que o que vou fazer é visando um futuro melhor.. - Pediu Clara ao entregar uma carta ao homem que não a segurou - Posso contar com você?

- Você vai mesmo se juntar à tropa? - Perguntou Tônico, dessa vez, em choque. - Mas trincheira não é...

- Já sei, já sei..."Não é lugar para mulher". - Respondeu Clara, contrariada. - Ao invés de me julgar, responda logo. Pode mandar esse recado para eles?

- Você não vai mudar de idéia, não é? - Perguntou, retoricamente, Tônico antes de pegar a carta da mão de Clara - Dá cá essa carta. Se é isso que você quer pro seu destino, não serei eu que vou mover esforços para impedir.

- Muito obrigado, Seu Tônico! - Disse Clara sem ao menos se despedir do homem e correr para cozinha. Enquanto o sol se punha, ela apanhou o uniforme esquecido pelo seu irmão. Em seguida, correu para o portão da fazenda, no arbusto onde encontrou o fuzil do soldado desertor. Ali, Clara amarrou seu cabelo de forma que, ao colocar a boina, ninguém poderia desconfiar que não era um homem. Entretanto, ainda percebia que, mesmo não tendo seios fartos, o volume, ainda sim, poderia despertar suspeita. Pegou uma faixa e enrolou no seu tronco, de forma que ela pressionasse seus seios e o volume ficasse imperceptível. Vestiu o uniforme rapidamente antes de desenterrar as folhas e galhos que escondiam o fuzil. Se assustou ao perceber o peso do armamento, todavia não recuou e nem vacilou. Clara colocou a arma nas costas, se ajeitou e, confortavelmente, caminhou de um lado para o outro, como se experimentasse um vestido novo.

Pronta para o combate, Clara saiu do arbusto da mesma forma que o soldado desertor fizera mais cedo. E, assim como ele, Clara abriu o portão e foi para a estrada, iluminada apenas pela luz da Lua. Não demorou muito para que outro soldado saísse da fazenda e se aproximasse de Clara:

- Ufa! Pensei que perderia o último caminhão e teria que ir a pé! - Disse o soldado enquanto se recuperava da corrida.

- Ele deve estar para chegar! - Disse Clara, disfarçando sua voz, testando se seu disfarce estava funcionando.

- Só espero que os getulistas não apareçam antes. - Comentou o soldado fazendo Clara sorrir aliviada por não ter sido descoberta. - Ó lá deve ser nossa carona.

Um ponto de luz surgiu no horizonte e logo foi aumentando de tamanho. Sua forma foi se desfazendo, de forma que se dividiu em dois círculos de luz conforme se aproximava da Fazenda. Era um caminhão militar, possivelmente roubado pelos rebeldes, que levaria Clara para a trincheira, montada em Espírito Santo do Pinhal. Quando o soldado que estava com Clara fez sinal, o caminhão parou no acostamento e aguardou os dois subirem na parte traseira dele. Agora não tinha volta, o destino de Clara era a próxima batalha entre getulistas e paulistas.

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