CAPÍTULO 79 - REENCONTRO FRATERNO

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O forte cheiro da amônia, colocada em um pedaço de pano, invadiu o pulmão de Clara e, poucos segundos depois, ela despertou debaixo de um espetacular céu estrelado. Entretanto, não teve tempo de observar o céu, pois sua atenção foi tomada pelo rosto familiar do homem que a carregava. O bigode, em formato circunflexo, era uma marca da família, já que o pai de Clara também utilizava o mesmo estilo. A mulher até tentou falar alguma coisa, mas foi impedida pela forte sensação de levar um choque e antes que pudesse reagir, sua mente sofreu uma transformação.

Parte do salão do castelo, onde Enzo estava acorrentado na mente de Clara, agora era uma sala de estar com diversos cinzeiros espalhados, cheios de cigarros e algumas garrafas de bebidas. Nas paredes, uma variedade de cartazes decoravam o ambiente com frases como: "Eles estão à sua espera"; "Para completar o Batalhão, aliste-se"; "Paulistas às armas"; "Você tem um dever a cumprir". Em todos os cartazes, a sigla M.M.D.C., em referência aos jovens Martins, Miragaia, Dráusio, Camargo, mortos pelas tropas do presidente Getúlio Vargas. Por fim, o móvel que mais destoa do restante, era uma poltrona alaranjada.

Quando a transformação do ambiente terminou, Clara ainda estava mexendo nos controles da grande mesa, portanto estava de costas para seu trono. Dessa forma, não percebeu a presença de mais dois homens, além de Enzo.

- O que aconteceu? - Perguntou Clara circunvagando o ambiente com os olhos.

- Não, não olhe para lá! - Pediu Enzo, impedindo que a professora olhasse para o trono, depois de reconhecer Acreano, de pé ao lado de um homem que não tinha ideia de quem seria, mas não conseguiu ignorar seu marcante bigode em formato circunflexo.

- Por quê? - Perguntou Clara voltando sua atenção para o rapaz acorrentado.

- Clara? - Disse o homem de bigode, antes que Enzo pudesse dar alguma explicação.

- Valente? - Perguntou Clara ao se virar e reconhecer o irmão, mas considerando que era inusitado ele estar em sua mente. - Você está...vivo?

Os dois se olharam por alguns momentos, antes que Valente se levantou ao mesmo tempo que Clara correu na direção do trono.

- Enzo, faça alguma coisa! - Ordenou Acreano enquanto colocava a mão no peito de Valente, o impedindo de correr em direção à irmã - Você já sabe que existem regras.

Enquanto isso, Enzo tentou correr atrás de Clara, mas o cumprimento da corrente não foi suficiente para alcançá-la. O rapaz foi puxado de volta quando a corrente chegou ao seu limite, fazendo ele cair ao chão. Diante disso, Acreano percebeu que seria necessário, ele mesmo, intervir.

- Ele está vivo e está bem! - Disse Acreano se colocando entre Clara e Valente - Quanto mais cedo vocês se soltarem, mais cedo poderão conversar e matar a saudade. Mas sem se abraçar, caso contrário, vocês voltam para cá.

- Hey, Acreano? Peraí, eu preciso falar com você. - Disse Enzo ao se levantar e se recuperar da queda - Você falou, da outra vez, que se os anfitriões dormirem encostados um no outro...

- Cala a boca, eu sei o que eu falei. - Esbravejou Acreano sem se mover do lugar, mas fazendo Valente e Clara se assustarem. - Também sei que graças a você, ainda teremos muitos problemas.

- Você fala sempre que eu serei culpado pelas coisas que acontecerão no futuro, mas não explica o que devo fazer para evitar isso. - Reclamou Enzo antes de apontar para a corrente. - Olha isso, estou acorrentado pois não sei explicar o que eu estou fazendo aqui!

A expressão de fúria direcionada para Enzo desapareceu do rosto de Acreano quando ele olhou para Clara e, depois, para Valente, algumas vezes. Um sorriso, sem graça, tomou conta de seu rosto antes de olhar para Enzo, novamente, com raiva.

- Está bem! Estamos com sorte, pois os dois são irmãos! Então pode ser a única oportunidade de fazermos isso. - Disse Acreano antes de se voltar para Clara e Valente. - Vocês dois vão fazer um favor para nós. Essa noite quando forem dormir, peço que dêem suas mãos. Preciso ter uma conversa em particular com nosso amigo ali, mas garanto que vocês estarão seguros. Qualquer problema, acordamos vocês para que se soltem.

- Como posso confiar em você? - Perguntou Clara ao desconfiar do homem.

- Não pode. Mas seu irmão pode lhe dizer se ofereço algum risco. - Respondeu Acreano fazendo Valente fazer menção de falar alguma coisa, mas foi impedido. - Fora de sua mente, evidentemente.

- Tem como pedir para ela me soltar também? - Perguntou Enzo indicando a corrente.

- Não. - Respondeu, secamente, Acreano antes de ver que Enzo pretendia insistir no pedido - E não adianta reclamar ou eu desisto de ter essa conversa.

Com isso, fora da mente de Clara e Valente, os irmãos se soltaram e puderam se reencontrar, mas sem dar o abraço fraterno, que ficaria para outro momento. Clara se sentiu aliviada ao ver seu irmão, com uma calça e um casaco militares improvisados, além de carregar em sua mão um pequeno boné que indicava sua posição hierárquica dentro da tropa.

- Que bom vê-lo tão bem! Está com a face boa, com jeito de quem tem comido direito, pelo menos! - Disse Clara ensaiando colocar a mão no ombro do irmão, mas Valente recuou. - Esqueci que não podemos. Mas vamos fazer o que prometemos. Quanto mais rápido ajudá-los, mais rápido eles vão embora.

- Ainda bem que isso foi com nós dois, senão ninguém acreditaria no que está acontecendo conosco. - Respondeu Valente ao ajudar a irmã descer do mirante em miniatura da Fazendo Boa Esperança. - Como pode, termos lido a mente, um do outro?

- Não sei se esse é o caso. Eu acho que compartilhamos a mente por um momento. - Respondeu a professora enquanto os dois caminhavam em direção a casa principal - Mesmo assim, é algo inacreditável, não é mesmo?

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