Ao entrar na exposição de obras de arte, montada em um aposento do castelo, onde também ficava uma mesa de xadrez feita em mármore, Andrês encontrou D. Petrus II arrumando as peças do tabuleiro. Na parede diversas obras pintadas naquele ano de 1889 estavam expostas para os convidados admirarem. O engenheiro passou pelo retrato do imperador pintado por Décio Villares e também pela obra "Paisagem Fluminense" de Georg Grimm, antes de se sentar na confortável poltrona enquanto o imperador dizia:
- Finalmente, Andrês!
- Majestade, tenha a bondade de me perdoar. Um imprevisto aconteceu envolvendo meu irmão. - Explicou Andrês ao terminar de se acomodar na única poltrona disponível.
- Aquele rapaz envolvido na confusão com a família Aragão, é seu irmão? - Perguntou o imperador.
- É, sim. Mas tudo não passou de uma confusão por parte dos guardas. - Explicou Andrês ao temer que isso desagradasse o imperador - Então vamos começar a partida?
- Vamos! Como você é meu convidado, tem a vantagem do primeiro movimento! - Respondeu D. Petrus II fazendo Andrês movimentar o peão branco pelo tabuleiro.
O imperador também movimentou seu peão da cor preta e logo, o tabuleiro estava armado de forma que as únicas peças não movimentadas, pelo Imperador, foi o Rei e uma das Torres. Algumas peças estavam espalhadas pelo tabuleiro e outras já tinham sido tiradas do jogo, mas, agora, era a vez de Andrês que também tinha suas peças espalhadas pelo tabuleiro, entretanto a maioria delas já tinha sido retiradas, exceto o Rei, as Torres e um Cavalo.
O Cavalo branco estava perto do Rei adversário, mas não conseguia atacá-lo pois se posicionaria na casa ao lado de seu alvo. Seria a casa da mesma linha onde a Torre branca está parada pouco antes da metade do tabuleiro. Andrês percebeu que ambas as peças ameaçavam os movimentos do Rei. Portanto, a fila do outro lado da peça ainda poderia ser sua rota de fuga, então o engenheiro, movimentou sua outra Torre, que também estava na metade do tabuleiro, mas do lado esquerdo, até posicionar na fileira impedindo o Rei de escapar.
-Xeque-Mate! - Disse Andrês ao fazer D. Petrus II observar o tabuleiro intrigado - Minha Torre tem o Rei na mira.
- Interessante. Me encurralou e nenhuma peça é capaz de proteger meu Rei, mas não é Xeque-Mate, meu amigo, apenas Xeque. - Disse o Imperador observando o tabuleiro. - Isso me lembrou de um certo dia, quando eu estava em Petrópolis. Um certo engenheiro convenceu minha filha a libertar os escravos.
- Majestade... - Disse Andrês ao imaginar que seria acusado de traição.
- Deixe eu terminar. Esse certo engenheiro também já tinha me convencido disso, mas eu não tive a coragem necessária para fazê-lo. Então arquitetei uma ausência para que a Princesa fizesse o que eu não tinha coragem de fazer, mas sabia que era o certo. - Explicou o Imperador - Me lembro das palavras que disse ao saber do feito de minha filha: "Grande povo! Grande povo é o brasileiro!".
- Você não teve problemas por conta disso? - Perguntou Andrês, ainda confuso sobre o que ouvia.
- Tive, diversos setores internos e externos me acusaram de não ter tido punho forte. Entretanto deixei a rédeas longas propositalmente. - Respondeu o Imperador - Mas devo deixar bem claro que qualquer brasileiro que apoiou o movimento abolicionista jamais será um traidor da pátria, jamais será um traidor da humanidade.
- Fico feliz com suas palavras, Majestade! - Disse Andrês disfarçando os olhos cheios de lágrimas enquanto D. Petrus II esboça um sorriso acolhedor.
- Muitos achavam que o Império cairia junto com a abolição, mas foi justamente a minha covardia que deu uma sobrevida à monarquia. - Respondeu o Imperador andando duas casas com o Rei preto - Creio que deve conhecer o movimento Roque?
- Ah não! Seu salafrário! - Exclamou o engenheiro de forma espontânea, mas logo se desculpou - Perdão, Majestade! Não quis te ofender.
O Imperador soltou uma gostosa gargalhada que foi ouvida por quem estava fora da sala, fechada para uso exclusivo dele e de Andrês, o que despertou a curiosidade de muitos convidados. Nenhum deles se envergonhavam de colar seus ouvidos na porta, pois todos queriam saber o que um negro tinha para conversar com um Imperador.
- É isso que eu gosto em você. Embora seja muito educado e respeitoso, às vezes, tem esse rompante de espontaneidade ao qual nenhum outro homem, que frequenta a corte, tem. - Comentou D. Petrus II.
- Obrigado, Majestade! Desse jeito, vai me deixar muito emocionado. - Respondeu Andrês ao movimentar o Cavalo branco para a casa ocupada pelo peão que protege o rei, no início do jogo - Além do mais, a partida ainda não acabou. Você está de novo em Xeque.
- Ora, ora! - Respondeu o Imperador ao observar o tabuleiro enquanto Andrês parecia decidir se devia ou não fazer uma revelação ao monarca.
- Eu ia esperar o final do jogo, mas depois das coisas que você disse, não posso adiar este assunto. - Disse o engenheiro percebendo que o Imperador lhe dava mais atenção que ao tabuleiro - Mais cedo, encontrei Benja. Mais uma vez me convidou para uma reunião secreta. Acredito que seja uma conspiração para derrubar a monarquia e proclamar a república.
- Certo. - Disse o Imperador tirando os olhos de Andrês e se voltando para o tabuleiro.
Ficaram em silêncio por alguns segundos até que D. Petrus tocou no Rei Preto e o apertou com os dedos. Havia apenas um movimento possível, mas como Xadrez se trata de um esporte de previsão do futuro, o Imperador não realizou o movimento.
-Majestade, você entendeu o que eu disse? - Perguntou o engenheiro.
- Eu já sei disso faz um tempo. - Disse D. Petrus II ao derrubar a peça do Rei Preto, indicando que abandonaria a partida - O baile é uma estratégia de passar a imagem que o Império não leva a sério esses boatos de conspiração. Mas a verdade é que a partida de minha família deste país já está organizada.
- Vão voltar para Portugal? - Perguntou Andrês sem se importar com o fato de ter vencido o jogo.
- Esse é o plano. Inclusive, se quiser, venha conosco. Será uma ótima companhia para todos. - Sugeriu D. Petrus II. - Seu irmãos, também.
- É preciso pensar, antes de tomar uma decisão como essa. - Respondeu Andrês - Mas desde já agradeço o convite da Majestade!
- Agora que você me derrotou no xadrez, acredito que você deveria estar na pista dançando com sua acompanhante. - Aconselhou o Imperador.
- Eu vim sozinho ao baile, mas é uma longa e entediante história. - Explicou Andrês.
- Sendo assim, temos uma variedade de bebidas para você experimentar! - Brincou o Imperador fazendo Andrês soltar uma risada tão alta quanto ao que a Majestade havia soltado durante a partida.
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Sete Erros
General FictionSete Erros é uma jornada pela história do Brasil que tem como pano de fundo diversos momentos: - Os dias que antecederam a visita do Santo Ofício - A criação da bandeira de Pernambuco no fim do Brasil Colonial - Um romance impossível às vésperas da...