CAPÍTULO 68 - UM BRINDE AOS CHILENOS E AO BRASILEIRO

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A área externa do castelo havia sido transformada em um grande jardim decorado tão ricamente quanto o salão de recepção. Por toda parte, flores amarelas e azuis evocavam a brasilidade ao se misturar com as flores vermelhas, brancas que homenageavam seus convidados de honra. Ao redor das duas grandes mesas, em formato de ferradura, foram colocadas pequenas mesas para os convidados menos importantes que esperavam, ansiosos, pelo banquete real.

Cerca de duzentos e cinquenta convidados ocuparam uma das mesas enquanto na outra a mesma quantidade, mais privilegiada, dividiria a refeição com a família imperial. Entre eles, estava Andrês, que foi colocado ao lado do Conde D'Itu e da Princesa Elizabeth. Houve um certo desconforto, visto que o Barão do Grão Preto, vindo de São Paulo, se recusava a se sentar ao lado do engenheiro.

- Eu me sentiria mais bem recebido se ele se sentasse em outro lugar. - Disse o Barão em tom dramático. - Minha esposa também.

- Certo. Vamos fazer assim. - Disse a princesa se levantando e falando com o Conde - Você vem pra cá. Você, Andrês, vem pro lugar que o Conde estava.

O engenheiro, confuso, realizou a troca antes que a princesa se sentasse no lugar que ele estava ocupando antes.

- Pronto, Barão! Agora você obteve o luxo de se sentar ao lado da princesa. - Disse Elizabeth fazendo o Barão se animar ao sentar-se - Porém, você obteve, também, o luxo de ser notícia, no jornal, ao ser o único convidado ignorado pela princesa.

Ao mesmo tempo que a princesa dava às costas para o Barão, D. Petrus II era avisado pelo Visconde de Bronze Branco que todos estavam acomodados, antes de bater com uma colher em sua taça, chamando atenção de todos para o discurso do Imperador.

- Senhores? - Começou D. Petrus II enquanto as quinhentas pessoas se silenciaram - Senhores, estamos aqui nessa noite de festa para homenagear nossos amigos da República do Chile que chegaram há duas semanas em terras brasileiras. Então não posso deixar de dizer que aproveito a ocasião para agradecer a presença do Comandante Mené e sua magnífica tripulação....

Enquanto discursava D. Petrus II percebeu que boa parte de seu público pareciam mais interessados em encarar Andrês do que em ouvi-lo. Também percebeu que o restante dos três mil convidados, também observavam, com curiosidade, mesmo de longe.

- ...E por fim, quero também agradecer a presença de Andrês Relousas, um engenheiro de muitos feitos, como o desenvolvimento de um torpedo militar e também a rede de abastecimento de água, aqui do Rio de Janeiro - Discursou D. Petrus II fazendo Andrês se surpreender ao se tornar mais ainda o foco de todos - Portanto, se vocês odiavam aquele cheiro ruim que a cidade tinha antes, é a ele que vocês devem agradecer!

Percebendo que o Imperador estava levando o discurso para outro caminho, o Visconde de Bronze Branco lhe fez um sinal para que parasse. E, percebendo que poderia ter exagerado, finalizou:

- Viva a união entre o Império do Brasil e a República do Chile!

- Viva! - Responderam os convidados antes de tomarem um gole da taça de champagne que já estava servida quando todos chegaram ali.

- Senhoras e Senhores, dessa forma, o banquete será servido! - Ordenou o Visconde de Bronze Branco, fazendo com que nesse mesmo momento diversos copeiros aparecessem carregando um festival de variedades gastronômicas que foram servidas tanto para as grandes mesas quanto para as pequenas mesas.

As grandes travessas de lagostas, salmão, camarões gigantes, ostras, faisão, carneiro, cabrito e todo tipo de carne que se pode imaginar, passavam por trás de Andrês antes de serem colocados à mesa. Entretanto, acabou não sendo servido, pois o copeiro que havia sido designado para isso, deu meia volta ao ver de quem se tratava.

Pouco tempo depois, outro copeiro apareceu e serviu Andrês, antes de perguntar se ele gostaria de uma sopa, salada ou pão para acompanhar as carnes. Entretanto, o engenheiro negou, alegando que naquele momento, a carne seria o suficiente.

Os convidados desfrutaram de uma deliciosa refeição antes de começarem a se levantar da mesa para circular pelo local em busca de socializar com outros convidados. Andrês aproveitou para conferir a vista do jardim, que dava para a faixa de água marítima entre a ilha fiscal e o cais Pharoux. Percebeu que a festa do outro lado, estava tão animada quanto o evento que acontecia ali no castelo.

- "O mar do Rio de Janeiro é uma sinfonia de azul, onde as ondas dançam ao ritmo do vento, beijando as praias de areias douradas com um abraço de espumas brancas." - Declamou a Princesa Elizabeth ao se aproximar de Andrês para observar o mar.

- Vejo que você andou lendo a obra de meu amigo, Machadinho. - Comentou o engenheiro ao olhar de canto para a beleza da princesa, realçada pelas luzes espalhadas pelo jardim.

- Depois que assinei a Lei Crócea, você não apareceu mais por aqui. - Disse a princesa - Cheguei até a me sentir usada.

- Me desculpe, princesa. Se lhe passei essa impressão, não foi a minha intenção - Pediu Andrês, dessa vez olhando diretamente para a mulher - Ouvi os boatos sobre mim, e temi que minha presença deixasse a família Imperial em uma situação desconfortável.

- Tudo bem. Quando ouvi sobre esses boatos, tudo ficou claro para mim. - Respondeu Elizabeth também olhando para o engenheiro - Fez o que era melhor para os negros e também para nós, seus amigos brancos.

- Fico feliz que compreenda minha decisão de me afastar. - Disse Andrês olhando no entorno e lentamente escorregando sua mão pelo parapeito que os impedia de cair ao mar.

- Queria poder dizer tudo que me passa na cabeça. - Disse a Princesa ao observar a mão do homem se aproximar e olhar em volta, se certificando que ninguém veria aquele pequeno delito.

- Eu também. Mas se eu fizer isso, tudo que venho fazendo para convencer todos que não sou, será exatamente o que me tornarei. - Ponderou Andrês, fazendo hesitar com o movimento de sua mão.

O silêncio entre os dois surgiu embalado pela música que vinha do Almirante Dundonald, ancorado ali perto. Porém, a Princesa retirou a luva de sua mão delicadamente fazendo Andrês não conter sua ansiedade e deslizar um pouco mais sua mão pelo parapeito. A música se misturava com os gritos, vindos do cais Pharoux :

- Viva a República... - Gritava o povo antes de fazer alguns segundos de silêncio - ...do Chile!

A mão da princesa finalmente tocou o parapeito, mas quando começou a deslizar em direção a de Andrês, Fabiana Aragão saiu de dentro do castelo aos berros interrompendo qualquer interação entre os convidados.

- Socorro! Socorro! Minha filha foi atacada! - Gritava Fabiana com toda sua força - Guardas! Guardas!

Diante disso, as mãos birraciais que quase iam se tocar, rapidamente se afastaram. Andrês e a princesa Elizabeth, simultaneamente, se viraram para ver o que acontecia. Assim como outros convidados, os dois seguiram Fabiana até o salão da recepção, em busca de esclarecimentos do que pode ter interrompido aquele momento tão agradável.  

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