CAPÍTULO 60 - A MANSÃO RELOUSAS

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A carruagem de Andrês atravessou os portões do grande casarão onde ele vivia com seus sete irmãos. Ele desembarcou da carruagem e passou pela porta de entrada da casa, tão grande quanto a da casa dos Aragão,  na expectativa de encontrar seus irmãos, organizados em fila, atrás dela.

No saguão de entrada havia, de fato, uma fila formada por seis homens entre oito e dezessete anos aguardando a chegada do irmão mais velho. E assim, como de costume, quando Andrês entrou e fechou seus olhos, ouviu:

- Dóóóóó - Cantou o mais novo.

- Rééééé - Cantou o garoto um pouco mais alto que o mais novo.

- Miiiiiiii -Cantou outro garoto quase da mesma altura que o anterior.

- Fáááá- Cantou o próximo garoto fazendo Andrês, sem abrir os olhos, se animar.

- Soooool - Cantou um dos garotos mais altos.

- Lááááá'- Cantou o garoto mais alto.

Continuou com os olhos fechados, como se esperasse alguém complementar com a nota Si, mas Andrês não ouviu nada. Então questionou:

- Cadê o Roberto?

- A última vez que o vimos foi quando ele saiu com o senhor para a barbearia - Disse o garoto mais alto que tem cerca de dezessete anos.

- Entendi, Tonho. Ele pediu para ir buscar uns livros na casa do Machadinho, já devia ter voltado para o almoço. - Respondeu Andrês - Bom de qualquer jeito, cadê meu abraço?

Todos os jovens correram em direção ao irmão e o abraçaram enquanto gritavam juntos:

- Andrês! Andrês!

O riso do engenheiro e o grito de seus irmãos chamaram a atenção da governanta que estava na cozinha finalizando o almoço. A mulher, também negra, entrou contente ao ver o reencontro da família.

- Ah Andrês! Você já chegou, vou pedir para servir o almoço. - Disse a mulher.

- Eu não te disse que era para ir ao médico e tirar o dia para descansar? - Perguntou Andrês, sério, mas não em tom de repreensão.

- Disse, mas eu fiquei preocupada. Achei que as crianças iam passar fome, pois os outros empregados não sabem os gostos de cada um. - Respondeu a mulher.

- Está bem! Então, vamos almoçar e depois que você terminar de comer, vou pedir para te levarem para sua casa, ouviu? - Disse Andrês enquanto acompanhava a mulher em direção a sala de jantar.

A mesa onde a família Relousas fazia suas refeições era enorme e Andrês fazia questão que seus empregados almoçassem na mesa e comessem a mesma comida que sua família. Além disso, cada irmão Relousas ajudava a trazer coisas da cozinha como talheres, pratos e até mesmo os diversos tipos de comida que haviam sido preparados. Logo, tanto os irmãos Relousas quanto os empregados da família estavam sentados e se serviam de uma deliciosa refeição em uma perfeita comunhão.

Dentro da mente de Andrês, Enzo estranha o que via pela luneta, embora reconhecesse a beleza que existia nisso enquanto Andrês explica que aquilo ainda é pouco.

- Cara que legal. Eu nunca vi uma casa tão rica, com um comportamento assim tão, tão...- Disse Enzo, mas ficou sem palavras.

- Humano? - Cogitou Andrês.

- Sim. Em casa, meu pai jamais deixaria que algum empregado sentasse a mesa. - Respondeu Enzo - Ele, inclusive, orientava que as sobras fossem separadas para que os empregados comessem, somente, no dia seguinte.

- Isso é o mínimo que posso fazer pelos os meus empregados. Faço questão de pagar um salário muito mais alto do que o comum. - Explicou Andrês - Eles são antigos escravos que encontraram alguns trabalhos que lhe pagavam muito mal. 

-  Às vezes, eu acho meu pai um babaca. - Esbravejou Enzo questionando as atitudes de seu pai - Ele está, praticamente, me obrigando a entrar na política. Em uma das reuniões, tinha um estagiário que sempre me acompanhou pois eu sou campeão de... Baralho. Campeão de Baralho. Que seja, o menino era meio que um fã do meu trabalho e tinhamos ido a um restaurante, mas meu pai fez o rapaz sentar em outra mesa pois ele "não senta com subalternos".

- Já que você mesmo disse, seu pai é um babaca. Mas receio que você tenha uma coisa mais importante a decidir.  - Comentou Andrês - Parece que você não quer seguir essa carreira.

- Não quero mesmo. - Respondeu Enzo - Esse tempo que tenho viajado, com essa coisa de sentir o que vocês sentem, tem feito eu compreender coisas que sempre me foram explicadas, mas nunca havia entendido! Sinto que quero fazer algo para ajudar as pessoas, mas não tenho ideia do quê.

- Bem. Eu acho que entrar na política é uma forma de você fazer isso, mas antes de tomar uma decisão, você precisa resolver sua vida pessoal.- Aconselhou Andrês - Por exemplo, você tem dificuldade de desafiar seu pai, visto o que contou sobre o estagiário. Imagino que isso se expanda para outros campos da sua vida.

- Você tem razão. Quer dizer, eu posso ajudar as pessoas entrando na política, mas não sei se tenho coragem para enfrentar meu pai. - Explicou Enzo se encolhendo como se fosse uma criança.

- Eu sou o mais velho de nove irmãos. Eu não escolhi ser responsável por eles, mas a vida seguiu seus tortuosos caminhos para que fosse assim. - Contou Andrês - Às vezes, a vida lhe dá uma missão que você acha que não é capaz de cumprir.

- E como você fez para enfrentar essa missão com coragem? - Perguntou Enzo.

- Eu não sei. Não há uma receita específica, mas, talvez, essa chave pode te ajudar. - Respondeu Andrês tirando uma chave do bolso e mostrando para Enzo. - Ela abre aquela porta.

Entre as janelas que mostram o Arco do Triunfo e o Stonehenge, a porta, passava despercebida a olhos mais desatentos, mas Enzo pegou a chave da mão de Andrês e correu até ela. Colocou a chave na fechadura antes de girar,  lentamente, fazendo a porta se abrir.

Sete ErrosOnde histórias criam vida. Descubra agora