CAPÍTULO 96 - A OPINIÃO DO CAPITÃO ROMÃO

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- ...E quando amanheceu, percorri a trincheira para verificar a situação dos meus homens e, para minha surpresa, um uma mulher com os cabelos voando ao vento segurava um rifle e parecia ter participado do conflito. - Disse o Tenente Mário que era observado por Clara, Capitão Romão e outros homens que estavam na sala de reunião do Hotel São Paulo.

- Então quer dizer que depois de uma noite de batalha, seu único problema foi a presença de uma mulher no campo de batalha? - Perguntou Capitão Romão despertando ligeiros risos em seus colegas.

- Bem... Sim...Que dizer, houveram algumas baixas, mas já era o esperado. - Respondeu o Tenente Mário, sem graça.

- E você sabe por qual lado ela lutou? - Perguntou o Capitão Romão.

- Tudo indica que ela estava lutando contra os getulistas. - Respondeu o Tenente ao perceber que a conversa ia para um caminho que não lhe agradava - Mas o problema está no desrespeito às regras que não permitem mulheres no exército.

- Nós não somos o exército, meu caro. Somos rebeldes. - Respondeu o Capitão Romão antes de olhar para Clara - Entretanto, Senhora Clara, gostaria de saber o que lhe fez tomar essa decisão, inusitada, de se infiltrar na tropa da minha coluna.

- Na verdade não nutria simpatia pela revolução. - Explicou Clara, mas ao perceber a expressão de contrariedade de todos presentes mudou seu discurso. - Não pela ideologias, mas sim por meu irmão ter se juntado a vocês sem avisar a família. Entretanto, fui ouvindo as notícias, como uma forma de saber se meu irmão estava bem, e quando soube que a tropa dele viria para cá, decidi esperá-lo mesmo com a evacuação da Fazenda Boa Esperança, onde dou aula.

- Na verdade, não era uma crítica ao movimento, mas apenas uma irmã preocupada com o irmão. - Comentou o Capitão Romão - O que não lhe confere nenhum pecado, mas, por favor, prossiga.

- Assim que os soldados se instalaram na fazenda, reencontrei meu irmão e eu me ofereci para cozinhar e lavar suas roupas, portanto estava lá quando o Tenente Mário decidiu deslocar a tropa e montar as trincheiras na divisa do estado. Enquanto a maioria dos soldados se preparavam para partir, eu vi um deles, o que era responsável por vigiar o portão, mas sequer era capaz de fazer isso com excelência, escondia seu fuzil e esperou o melhor momento para tomar o caminho contrário ao de onde aconteceria a batalha.

- Um desertor! - Disse Capitão Romão Alves batendo na mesa, assustando tanto Clara quanto os outros - Tenente Mário quero o nome desse covarde.

- Era o soldado Peixoto. O filho daquele empresário...- Disse o tenente sem terminar a frase, indicando que havia algum acordo que não convinha expor naquele momento.

- Demorou pra esse rapaz dar problema. Mas vamos voltar para o seu caso, Clara. - Respondeu o capitão - O que você fez depois?

- Eu tinha ficado com o uniforme do meu irmão e em uma atitude arriscada, fui até o local que o covarde tinha escondido o fuzil. Peguei o armamento, vesti o uniforme e prendi o cabelo. Quando o caminhão passou para pegar os últimos soldados, ninguém percebeu que eu não era um homem. - Terminou de explicar Clara.

O silêncio tomou conta da sala de reunião. Todos olhavam para o Capitão Romão que fitava Clara com uma expressão semelhante a da esfinge. Segundos depois, o homem quebrou o silêncio.

- Bonito será para você, se resistir, enquanto muitos homens barbados estão fugindo ao ouvir os primeiros tiros. - Disse Capitão Romão com um sorriso no rosto - Será um exemplo para todos. Pode ficar. Se aguentar o repuxo, servirá de exemplo aos medrosos. Se não aguentar, pode abandonar as trincheiras, quando quiser!

Todos relaxam em suas poltronas e se preparam para se levantar e deixar a sala, mas o Tenente Mario se levantou antes de todos e puxou a atenção para ele. 

- Capitão, fico feliz com sua decisão, porém temos um problema burocrático a resolver. - Interviu o Tenente Mário - O registro dela não poderá ser um nome feminino.

- Tenente, pare de procurar empecilhos. - Disse o Capitão Romão - Se for o caso, o nome dela é Maria Clara, coloque Mário no registro. Assim terei, na sua tropo, pelo menos um Mário que é motivo de orgulho.

- Muito obrigado, Capitão! Você não se arrependerá! - Disse Clara ao segurar a mão do homem em agradecimento, mas a expressão do homem, rapidamente, mudou.

- Seria um equívoco terrível, desperdiçar o seu potencial, mas eu preciso, apenas me certificar se você é... - disse Capitão Romão antes de hesitar ao soltar a mão de Clara - Algum tipo de sáfica ou invertida, você é?

A sala de reunião ficou em silêncio e todos olhavam atentos para Clara que refletia por alguns segundos. Em sua mente, dividia seu desconforto com Enzo que observava tudo pela câmera Contax.

- Eu não imaginava que esse tipo de pergunta ia surgir. - Disse Clara - É claro que não sou uma invertida.

- Você se ofendeu com essa pergunta? - Questionou Enzo, tentando entender melhor.

- Não por pensarem isso, mas por trazerem isso para discussão como se fosse importante. - Explicou Clara - E se eu fosse? Eles desperdiçariam meu potencial também?

- Eu não acho que você deva pensar nisso, agora. - Respondeu Enzo - O Capitão parece estar bem disposto a permitir seu ingresso na tropa.

- Eu sei, mas eu não consigo evitar pensar que isso, de uma certa forma, é uma violência. - Disse Clara ao perceber que estava demorando demais para responder a pergunta feita pelo Capitão. Fora de sua mente, o homem repetia a pergunta, usando outros termos para ver se ela havia entendido corretamente:

- Sabe invertida? Essa gente que gosta de se vestir com roupas de outro sexo, sabe?

- Eu compreendi a pergunta. Me desculpe, mas é que fui pega de surpresa. Não , não sou nada disso. Posso te garantir, tenho filhos e sou viúva, mas não sou isso que você disse.

- Sendo assim, seja bem vinda, soldado Mário! - Disse Capitão ao se levantar e estender a mão para Clara que fez o mesmo. 

Sete ErrosOnde histórias criam vida. Descubra agora