CAPÍTULO 77 - AULA DE HISTÓRIA DO BRASIL

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O pôr-do-sol invadia a sala de aula improvisada na Fazenda Boa Esperança, em São João da Boa Vista, onde a professora Maria Clara Guasápia fazia um resumo da história do Brasil:

- ...A chegada do Santo Ofício, em 1591, foi responsável por mandar para fogueira milhares de escravos e indígenas. A severidade com que atuaram no Brasil se deu por conta da situação que encontraram quando desembarcaram aqui.  O assassinato de um cristão, por um invertido, fez o Santo Ofício considerar que o país estava tomado por atividades demôniacas e, portanto, levou pessoas para fogueira por qualquer motivo. 

- Esse invertido devia morrer mesmo.  - Disse um dos alunos. - Quer pecado maior que isso?

- Mesmo que houvessem pessoas que cometeram as maiores atrocidades no meio, a maioria eram pessoas que praticavam suas religiões ou representavam alguma ameaça para algum poderoso. Ou seja, inocentes. Mas vamos continuar com a revisão? - Perguntou a professora - Durante o Primeiro Império, Elias Pedroso, conhecido como o Pardo de Recife, depois de executar o advogado do governador da capitania, Luiz Foronda, foi preso pelos seus colegas revolucionários. Com isso, durante o período em que a República de Pernambuco existiu, o combate a escravidão não foi discutido pelo novo governo, visto que Elias era o principal entusiasta da causa.

- Professora, o que aconteceu com o Pardo de Recife depois que ele foi preso? - Perguntou uma das alunas que parecia ser mais velha que o aluno que perguntou antes.

- Ele foi enviado para Portugal, onde tentou obter o perdão da coroa, mas acabou sendo executado por traição, assim como os outros líderes já tinham sido executados. Ele foi o único que morreu em Portugal, mas sua morte deu força ao movimento abolicionista. - Explicou a professora Clara - E por fim, vamos falar sobre a Proclamação da República, que foi um dos momentos mais tensos da nossa história. Um ano depois da assinatura da Lei Crócea, uma conspiração aspirava proclamar a república. Entretanto, durante o único baile oferecido pelo Império, a princesa Elizabeth, apaixonada por Andrês Relousas, um engenheiro, resolve fugir com o amado.

- Desde quando romance é tensão? - Perguntou outro aluno, que era o mais alto da turma.

- Não deveria, mas para uma princesa, casada, que fugiu com um homem negro, o romance se tornou tenso. Com a fuga do casal, os republicanos acusavam Elizabeth de tentar agradar o povo ao se relacionar com Andrês, enquanto os defensores do império acreditavam que eram um golpe dos negros ao usarem Andrês para chegarem ao poder.  O que também não era negado pelos republicanos. A divisão entre negros e brancos desencadeou uma busca, feita pelos Republicanos, para encontrar Andrês e Elizabeth, durante 1890. O casal, que fugiria para a Argentina, no início de 1891, foi executado pelos Republicanos antes de chegarem à fronteira. Com a morte de Elizabeth, a família imperial fugiu para Portugal e a república, finalmente, foi proclamada. Todavia, a morte de Andrês revoltou os negros que pareciam não aceitar o Marechal Teodoro como líder, e provocaram diversos motins. Mas o restante dessa história, ficará para a próxima aula. Façam um resumo com tudo que eu passei hoje e me entreguem antes de irem embora. Não esqueçam de datar! Hoje é dia 14 de Julho de 1932.

Os alunos começaram a fazer seus resumos enquanto a professora Clara se sentou em sua mesa e ligou o rádio. Depois de girar os botões algumas vezes, conseguiu sintonizar em uma estação que noticiava a situação revolução:

- ...O combate entre os Getulistas e os Paulistas está ferrenho. A cidade de Cascata virou um campo de guerra....O que?....Ah sim!....Acabo de ficar sabendo que as tropas getulistas estão avançando para a divisa com o estado mineiro. Haverá mais um confronto nos próximos dias....

O locutor não teve tempo de terminar sua frase, pois a professora Clara, pensando que as notícias poderiam preocupar seus alunos, desligou o rádio antes de observar um dos alunos observando o papel em branco.

- Juca? Está com dificuldade para fazer o resumo? - Perguntou a professora Clara ao observar o garoto encarando a folha.

- Eu? Não, só estou pensando em como começar. - Respondeu o aluno ao pegar o lápis como se fosse começar a escrever a qualquer momento.

- Certo! Se precisar, eu posso retomar alguns pontos... - Tentou sugerir a professora, mas foi interrompida pela porta da sala de aula, aberta violentamente.

- Precisamos tirar as crianças daqui, agora! A fazenda está no caminho das tropas, pode ser perigoso ficar aqui! - Disse o Tônico, o administrador da fazenda.

A professora Clara, que era uma mulher branca que beirava os quarenta anos e se vestia muito bem,  viu seus alunos entrarem em pânico e começarem uma gritaria.

- Silêncio! - Gritou a professora, fazendo a turma ficar quieta - Sr. Tônico, não há dúvidas que precisamos tirar as crianças daqui. Entretanto, o exército ainda está longe e, portanto, vocês sairão daqui com calma e serão levados até seus pais. Certo, Sr. Tônico?

- Isso, a carroça já está esperando para levá-los. - Confirmou Tônico fazendo sinal para que as crianças saíssem dali rapidamente - Eu levo eles, depois volto para buscar você e os outros funcionários da fazenda!

- Eu não vou com vocês. Vou ficar, aqui! - Disse a professora Clara enquanto as crianças saiam da sala.

- Ficou doida? Isso aqui vai virar uma trincheira, não é lugar de mulher! - Disse o Sr. Tônico.

- Eu preciso saber como meu irmão está. Desde que ele se juntou à revolução, não tenho notícias dele. - Explicou a professora.

- Eu não tenho tempo para te convencer... - Respondeu Tônico ao olhar para as crianças, indicando que levá-los embora era a prioridade do momento. - De qualquer forma, eu ficarei aqui para cuidar da fazenda. Se, também, quiser ficar, a decisão é sua.

O último aluno deixou a sala antes da professora Clara fazer o mesmo. Mas diferente de Tônico que acompanhou os alunos até a carroça, a professora seguiu por outro caminho. Ela se afastou da construção, onde a escola funcionava, e atravessou um campo, de grama baixa, até chegar a uma espécie de mirante em miniatura.

Subiu as pequenas escadas da pequena construção, que não devia ser mais alta que a casa principal da fazenda, entretanto sua localização era estratégica, visto que lá de cima é possível ter uma visão completa do portão de entrada da fazenda.

Passou aquela hora preocupada com seu irmão, mas Clara não sabia como se sentir naquela situação. Por um lado estava ansiosa para que os revoltosos aparecessem no horizonte, assim reecontraria seu irmão, se ele estiver vivo. Por outro lado, se ele estiver morto, prefere que as tropas nunca cheguem à fazenda. Quando avistou um movimento no limite do horizonte, a professora sentiu uma pressão na cabeça, mas não imaginou o que poderia ser.

Não demorou muito e, no horizonte, incontáveis pontinhos amarelos apareciam cada vez mais sob a luz da lua, que a essa altura já tinha ocupado seu lugar no céu. Se tornavam maiores a cada minuto que passava ao mesmo tempo que Clara sentia o suor escorrer por sua testa e o ar lhe faltava aos pulmões. Antes que fosse possível identificar se os caminhões pertenciam aos getulistas ou aos rebeldes, as vistas da professora Clara escureceram e ela desmaiou sob a luz do luar. 

Sete ErrosOnde histórias criam vida. Descubra agora