A festa Batiiko ainda estava em seu ápice quando Lully entrou no táxi, depois de Valencina, sem saber qual seria o destino deles naquela madrugada. Enquanto isso, muito longe dali, duas escravas trajando belos vestidos atravessavam a cidade de Salvador em direção a casa do Padre Alceu. Os vestidos eram antigos, mas não impediram que Xica e Joanne chamassem atenção por onde passassem.
- Qual é a graça das belas senhoritas? - Disse um homem que bebia aguardente em um comércio, cercado de mais alguns homens. As duas olharam para ele, soltaram uma risada e continuaram seu caminho sem perceber que de dentro do comércio Mathias as observava com olhar de desgosto.
Pouco antes de chegarem a Basílica Santuário Nossa Senhora da Conceição da Praia, alguns homens que estavam parados na rua assobiaram para a dupla de mulheres que desfilava como se fossem rainhas. Entraram em um beco e colocaram capas para esconder seus rostos quando elas se aproximassem da casa do padre
- Essa vai ser nossa passagem para a liberdade! - Afirmou Joanne ao bater na porta dos fundos da Basílica.
- Espero. Esse velho é muito nojento! - Respondeu Xica antes da porta se abrir revelando o rosto de Ghali sorrindo ao vê-la.
- Boa noite! Podem entrar! - Disse Ghali olhando especificamente para Xica que até começou andar, mas foi impedida de seguir em frente.
- O Padre Alceu sabe muito bem que só entramos depois do pagamento! - falou Joanne colocando o braço no caminho de Xica.
- Ah, claro! Tá aqui. - Disse o escravo ao entregar um saco de moedas para Joanne - Ele me pediu que eu fizesse isso aqui fora mesmo. Caso alguém veja vocês entrando ele colocará a culpa em mim.
Enquanto entravam na casa do Padre Alceu, dentro da mente de Xica, Enzo estava no limite de seu nervosismo, suava frio e limpava as mãos, também suadas, na própria roupa. Seu coração disparava a cada passo que Xica dava e calafrios subiam pela sua espinha ao assistir tudo que acontecia pelo astrolábio.
A casa do Padre Alceu era muito simples, não havia esculturas e nem pinturas religiosas, mas Enzo não notou isso . Estava concentrado em Ghali que abraçou Xica ao dizer bobagens em seu ouvido.
- Não esqueça que Xica está aqui a trabalho, Ghali.- Repreendeu Padre Alceu ao entrar na sala - Leve o vinho para cima. E vocês, vamos para o meu aposento.
Ao mesmo tempo que Ghali foi para a cozinha, as escravas acompanharam o Padre Alceu pelo corredor iluminado por velas. Joanne tentava conversar com o Padre, mas só levava patadas do homem enquanto Xica preferiu ficar em silêncio ao temer vomitar no homem e, com isso, perder o pagamento.
Pouco depois de entrarem no aposento do padre, Ghali trouxe o vinho que foi servido por Joanne enquanto o escravo deixava o local.
- Vocês estão muito tensos! - Disse Joanne estendendo copos cheios de vinho para o Padre e, depois, para Xica - Até parece que é a primeira vez dos dois.
O Padre Alceu, que estava sentado na cama, vira o copo de uma vez enquanto Xica apenas toma um pequeno gole, ainda temerosa que passasse mal ali. O homem faz um sinal para Xica abrir seu vestido. A escrava o obedece, revelando seu peitoral masculino ao mesmo tempo que Joanne se deita na poltrona e observa a cena ao degustar seu copo de vinho.
O padre se levanta da cama e, lentamente, caminha em direção a Xica que sentia seu estômago embrulhar e, em sua mente, Enzo também engulhava ao ver a cena através do astrolábio. O Padre Alceu se ajoelhou em frente à escrava e levou seus braços por debaixo do vestido dela. Xica não sentiu ele tocar em suas pernas, mas sentia o vestido se movimentando, indicando que as mãos do homem subiam cada vez mais. Antes do que imaginava, os movimentos do vestido foram interrompidos e Xica pode sentir o toque dos dedos gordos do Padre Alceu tocarem sua coxa musculosa de tanto caminhar fazendo entregas.
Antes que pudesse processar o que sentia ao ser tocada por aquele homem, Xica foi invadida por uma sensação semelhante a de levar um choque. Foi a mesma sensação que Padre Alceu também teve naquela fração de segundo que suas mentes se uniram misteriosamente.
O vômito de Enzo se misturava com a lava da cratera vulcânica, que até então era a mente de Xica. Quando o rapaz levantou sua cabeça e percebeu que metade da cratera havia desaparecido. Em seu lugar, estava o pátio da Igreja da Sé de Lisboa, de onde Padre Alceu olhava para Xica na metade da borda do vulcão, ao lado de Enzo. Sentado em um banco, havia um um homem, com mais ou menos vinte e cinco anos, de traços indígenas, mas roupas do século XXI. Enzo o percebeu, mas não entendeu o sinal que ele fazia com os dedos, porém notou que o homem carregava em sua cabeça, um óculos idêntico ao seu . Antes que pudesse falar com o homem, o pátio da igreja desapareceu e voltou a ser o que era antes, uma cratera vulcânica.
A única que não presenciou a união das mentes de Xica e Padre Alceu foi Joanne que observava tudo, um tanto confusa, ao perceber que, tanto sua amiga como o religioso, se afastaram um do outro. O homem foi para trás com tanta força que acabou caindo ao chão, sendo necessário que Joanne o ajudasse enquanto Xica fugia da basílica assustada com o que vivenciou.
Pelas ruas de Salvador, Xica correu para o mais longe possível de Padre Alceu. Estava tão perturbada por ter compartilhado sua mente com aquele homem que nem percebeu quando passou por um homem bem pior que o padre. Era Mathias que encarava Xica, com fúria no olhar, decidiu segui-la.
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Sete Erros
General FictionSete Erros é uma jornada pela história do Brasil que tem como pano de fundo diversos momentos: - Os dias que antecederam a visita do Santo Ofício - A criação da bandeira de Pernambuco no fim do Brasil Colonial - Um romance impossível às vésperas da...