CAPÍTULO 40 - REQUINTE BRASILEIRO

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Em Recife, no pátio do quartel tomado pelos rebeldes, havia se formado uma palhoça onde negros, indígenas e brancos dançavam, comiam e bebiam. Os líderes da revolução ao perceberem que aquilo podia se transformar em uma baderna, resolveram ir até lá para ver o que estava acontecendo. Ao chegarem lá, encontraram Elias, com Catarina no colo, se divertindo e conversando com os revoltosos.

- ... eu queria atacar o cônsul, mas eles não querem. Então vamos seguir, apenas, com o ataque à residência do Governador. Mas é importante que vocês saibam que pode ser que em alguma hora seja necessário tomar um lado, dentro da revolução, para que a situação dos escravos sejam tratadas com prioridade... - Dizia Elias.

- Capitão, a situação dos escravos é uma prioridade, mas não a única. - Disse Leão Dourado.

- Leão? - Perguntou Elias, surpreso, mas logo mudou sua expressão demonstrando alegria e puxando um banco - Senta aqui, conosco! Cabugo, venha também.

- Esse é o comportamento que um líder deve ter durante uma revolução? - Perguntou Domingues para Leão Dourado, antes de voltar para dentro do quartel e ser seguido pelo Padre José.

- Elias, você acha que é de bom tom, ficar na farra, às vésperas de um ataque? - Perguntou Leão Dourado.

- Não estamos bebendo aguardente. Mas achei que seria bom, nos alimentarmos bem, antes de ir para o campo de batalha. Já a música, a música se você não entende o que ela faz com as pessoas, não sou eu que vou lhe explicar. - Respondeu Elias.

- Certo. Não é uma má idéia, mas ainda estamos em um quartel, poderíamos ter preparado algo com mais requinte. - Insistiu Leão Dourado.

- Algo com mais requinte? - Perguntou Elias ao soltar uma risada debochada. - Essa é minha gente, gente brasileira. Temos uma outra noção do que é requinte. Requinte é ter nossos corpos completamente livres, sem amarras de algum poder, senão o da coletividade.

- Eu não vou discutir com você na frente de todos. Faça o que quiser. - Respondeu o Leão Dourado, furioso, deixando o pátio. Ao passar por Cabugo, que dançava com uma mulher, o puxou para dentro do quartel.

Enquanto isso, em sua mente, na ponte de Recife, Enzo tenta entender melhor a relação de Elias com os outros líderes. Além de aconselhá-lo sobre a ofensiva contra o cônsul britânico.

- Leão Dourado foi quem me deu todas as oportunidades que tive. Foi graças a ele que cheguei o mais longe que um mulato pode chegar dentro do regimento. Já Domingues é um riquinho desocupado que viu na revolução a oportunidade de conseguir se casar com Theodora. Tenho muito apreço ao Cabugo, mas ele não parece saber se impor em relação aos outros, assim como o Padre José. Mas não chamo nenhum deles de amigo, pois não nos aproximamos por afinidade, e sim, pela possibilidade de fazer a revolução acontecer. - Explicou Elias.

- Não confio nesse Domingues, sinto que ele sente inveja de você por algum motivo. - Respondeu Enzo.

- Deve ser pelo motivo pelo qual ele não me apresenta a noiva. Ele tem medo que ela não resista a mim. - Revelou Elias.

- Acho que não é só ciúmes, há mais alguma coisa por trás. - Falou Enzo, antes de mudar sua expressão, demonstrando sinais de repreensão - Será que ele tinha algum tipo de amizade com aquele coitado que foi enviado pelo Governador?

- Você vai voltar nesse assunto? Já te expliquei que não vou deixar que nada, nem ninguém, ameace a revolução. - Reclamou Elias.

- Não, não quis discutir isso, só achar uma motivação para Domingues estar com tanta raiva de você. Além disso, Domingues conseguiu convencer Leão a não atacar o cônsul britânico. - Afirmou Enzo.

- Você tem razão. Se os outros líderes da revolução não querem priorizar a causa da escravidão com veemência, a coroa portuguesa pode usá-la como moeda de negociação. - Ponderou Elias ao indicar o canhão da escultura de Hermes para Enzo.

Pelo canhão, Enzo observou Elias se levantar em meio a festa e fazer o seguinte discurso, em meio aos rebeldes:

- Companheiros, estamos unidos aqui para lutar pela independência de nossa terra. Mas diversos assuntos são reivindicações do movimento, entre elas a abolição da escravidão. Amanhã, o governador encontraria o cônsul inglês para discutir um tratado que visa driblar as restrições impostas no último tratado. Diante disso, convoco os homens mais corajosos, para impedirmos isso!

Pouco a pouco, os homens começaram a aplaudir e se aproximavam de Elias para se oferecerem para participar da empreitada. E naquela noite, Elias havia organizado um grupo de dez homens para acompanhá-los até a residência do cônsul, localizada próxima à verdadeira ponte de Recife.

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