🖍️ Estou um caco

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Diante da janela…

Roberta Antunes 

💭 Porque estou aqui agindo como dona da casa, nem casada com Diego eu sou.


💭 Nem mulher eu sou! Tenho útero que não serve para nada.

Piiiiiiiiiiiiiiiiiii. Esse som está recorrente no meu ouvido esquerdo. Coloco minhas mãos nos ouvidos e abaixo minha cabeça. Minha cabeça está cheia de pensamentos.


💭 Você é digna de dó. Estou aqui nesta vida que não é minha, com homem que não é meu e com as crianças que não gerei.

💭 Porque tinha que amá-los.


💭 A vida é sempre assim comigo. Porque tenho que passar por isso.

💭 Nunca servir para nada mesmo. Sempre estive sozinha.

Uma lembrança invade meus pensamentos…

A lembrança veio como um soco no estômago, tão vívida quanto se tivesse acontecido ontem. Tinha quinze anos, a idade dos sonhos e das expectativas. Estava sentada no refeitório da escola, ouvindo um grupo de meninas conversarem sobre o baile de debutante que se aproximava. A animação delas era contagiante, mas eu sentia um aperto no peito.

- Eu quero uma decoração toda em rosa, com um bolo gigante!


- Vou usar um vestido de princesa, todo bordado!


Elas falavam com tanta naturalidade sobre os preparativos, como se fosse algo garantido. Mas para mim, era um sonho distante. Meus pais nunca teriam condições de bancar uma festa tão cara.


- E você, Roberta? Já escolheu seu vestido?


A pergunta me pegou de surpresa. Olhei para elas, tentando disfarçar a tristeza.

- Acho que não vou ter festa, não.


Um silêncio constrangedor se instalou. Em seguida, uma das meninas soltou uma gargalhada.

- É melhor mesmo, porque com esse corpo, todo mundo ia te confundir com o bolo da festa!

A risada dela ecoou pelo refeitório, seguida pelas risadas das outras meninas. Senti minhas bochechas queimarem de vergonha. Olhei para baixo, tentando me esconder. Mas então, Milena, se levantou e foi até a menina que havia me ofendido.


- Como você pode ser tão cruel? A Roberta não tem culpa se os pais dela não têm dinheiro!

Ela deu um soco no nariz da menina, que soltou um grito. A briga foi rápida, mas intensa. Milena acabou levando a pior e foi suspensa por três dias.

Flashback


💭 Eu sou uma gorda horrorosa. Diego nunca vai se casar comigo.


💭 Se eu fosse pelo menos magra.

 

Estava saindo da creche, exausta depois de um dia inteiro cuidando de crianças pequenas. Vestida com legging, tênis surrados e uma blusa de algodão com a inscrição “Professora” manchada de tinta guache, me sentia completamente fora do lugar.

Cruzei a rua, os olhos fixos no chão, tentando ignorar os olhares curiosos das pessoas. E foi então que o vi. Hugo, meu ex-namorado, estava parado em frente a casa da avó, conversando com uma mulher. 

Uma mulher que parecia ter saído de um comercial de revista. Era magra, esbelta, com cabelos longos e lisos, pele branca e um vestido elegante. Estava dentro de um carro importado, reluzente sob o sol da tarde.

No instante em que nossos olhares se cruzaram, senti um aperto no peito. Ele sorriu, um sorriso que não era para mim, e se despediu daquela mulher com um beijo rápido. Em seguida, atravessou a rua em minha direção. Ele me olhou de cima a baixo, como se estivesse me avaliando. 

- Aquela é que é mulher para um advogado. Não uma professora de creche, suja de tinta guache.

Flashback off

💭 Sempre foi uma burra. Nunca advogado vai casar com você, Roberta Antunes.

No vidro da janela vejo o reflexo da mulher que sou! Ridícula! A imagem de uma mulher que não merece está nesta casa, namorando aquele homem e ter esses filhos.

💭 Preciso terminar com esse sonho. Foi maravilhoso enquanto durou.


💭 Esse sonho nunca vai se concluir, estúpida.

Começo coçar meus punhos. Até que um toque me tira do transe.

- Betinha…. Sinto toco nos ombros. Ao me virar vejo D. Abigail.

- Desculpa, não estava ouvindo. Ela sorri.

- Percebe, já tem horas que está sentada aqui, deseja que sirva almoço aqui ou lhe ajude a descer? Me levanto e passo por ela.

- Estou sem fome. Vou me deitar, D. Abigail. Muito obrigada! Pego os comprimidos e coloco na boca. 


- Betinha, não pode ficar sem se alimentar, minha filha. Coma uma fruta ou suco. Os remédios não podem ser ingeridos com estômago vazio. Me deito na cama.

- Vou dormir um pouco, depois eu como. Fecho os olhos. Ela se aproxima de mim, coloca o lençol em cima do meu corpo.


- Não gosto de ver você assim, menina. Inevitável não chorar. Ela me deixou sozinha. 


Naquele dia, me senti a pessoa mais sozinha do mundo. A humilhação que sofri me marcou profundamente. Por muito tempo, evitei falar sobre meus sentimentos, com medo de ser julgada.

Agora, deitada na cama, revivendo aquela cena, senti uma raiva e os pensamentos que há muito tempo estavam adormecidos.  Aquele passado doloroso voltou à tona, misturado com a insegurança do presente. Será que jamais conseguiria superar as marcas daquela época?

Meu amor de gizOnde histórias criam vida. Descubra agora