I - Entre as Sombras e Neblinas (2)

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Johnny se encontra deitado no gramado em uma manhã ensolarada, nenhum dos outros membros da família estão presentes no momento. Ele observa a casa, vazia e bela, observa como se estive diante de algo que nunca vira antes. Johnny e os Darwin já estão em seu novo lar por seis meses, para os olhos de quem está de fora tudo permanece comum como desde que chegaram, mas para os olhos dele a verdade é visível e palpável como uma estátua assustadora retratando um dos infernos de Dante. Seus olhos castanhos observam a casa, ele a vigia como uma sentinela fiel. Johnny sabe daquilo que há além daquelas paredes, daquilo que mora na casa antes deles chegarem e para os olhos dessa coisa eles eram invasores.

...


Senhor Branco desliza os dedos da mão direita, coberto por uma luva de couro, na maçaneta da porta, em seguida com a outra mão ele a ergue e com a palma aberta encosta na madeira pintada de um marrom carvalho. Carmen olha concentrada como uma aluna dedicada aguardando ele se pronunciar. Já faz algum tempo que os dois desenvolveram um comportamento de comando e resposta de forma silenciosa. Ele se afasta, ela por instinto adquire uma posição defensiva, é quando o senhor Branco começa a tirar o par de luvas e guardá-las no bolso de fora de seu paletó. Sua voz séria rompe a calmaria perturbadora do lugar.

– "E adentrando na noite voraz, guiado pela luz trêmula de uma vela, monstros surgiam e desapareciam nas sombras da imaginação" – Ele olha para sua parceira e sorri. – JH Calisto.

– As vezes o senhor me assusta.

– Mas que bobagem, minha querida Carmen... É com o que há por detrás dessa porta que deve se assustar. – E com a mão direita nua segura a maçaneta com intenção de abrir. – Está pronta?

Ela tira seu casaco de couro e o pendura em uma das luminárias apagadas próxima a eles:

– Sim. Estou.

Em um movimento rápido e seguro ele gira a maçaneta e escancara a porta com força ao ponto de ouvi-la se chocar contra a parede.

– Isso não foi muito educado, foi? – Perguntou num tom claro de ironia, Carmen nem respondeu e sem mais reservas os dois adentraram na noite voraz da residência dos Darwin, mas sem qualquer luz para guiá-los. Uma terra desconhecida cheia de monstros na escuridão.


...


Horas antes:

São cinco e duas da manhã quando o despertador de modelo antigo aciona o alarme ecoando o som de sino frenético. Senhor Branco abre os olhos, se ergue permanecendo sentado na cama. Está despido, com um ar deprimente, cansado e com os cotovelos apoiados em seus joelhos, de cabeça baixa, apoiando sua face em suas mãos. Vendo-o assim parece ser um velho ou alguém doente no seu modo frágil e palidez. Enquanto permanece parado, com as mãos uma apoiada na outra e ambas apoiando seu queixo, em voz baixa faz uma prece em algum idioma ou dialeto desconhecido. O relógio antigo prossegue com sua função de mostrar a passagem do tempo dos homens e agora marca seis horas em ponto. A luz forte do alvorecer invade seu quarto, seus olhos fitam as janelas no momento em que sua boca morre.

Seu corpo se levanta meio desajeitado, na luz dá para ver que possui dezenas de cicatrizes em formas e imagens espalhadas por suas costas e braços. Ele segue para uma das janelas que ficam de frente para a rua. Apoia as mãos no parapeito e olhando para o sol surgindo entre as alvas nuvens sussurra:

Que se faça a luz.

Da gaveta de seu criado mudo surge o som do celular de aviso de mensagens. Dessa vez se move com mais habilidade e ao pegar o aparelho desliza seu polegar e lê:

RUA DO ANDARILHO. FAMÍLIA DARWIN.

Novamente com o polegar vai para os contatos, digita o número dois e aguarda. Depois de dois toques uma voz sonolenta atende:

Zdravo... Alô?

– Bom dia, Carmen. Olhe sua mensagem.

Hmm... Ok. Aguarde um pouco. – Uns segundos depois ela fala mais desperta:

– Não tem muito aqui.

– É. – Respondeu meio animado.

– Vamos ter que rodar para saber mais.

– Provavelmente, mas que graça teria se não fosse assim?

– Deus... Vou tomar banho e uma xícara de café. Quando chegar buzine.

– Não tenha pressa, creio que hoje vou pelo campo até a cidade.

– Quanto tempo para chegar?

Ahh... Umas duas horas e meia, talvez um pouco mais.

Ele a escuta xingar algo em sérvio e respirar fundo:

– Okay, okay. Quando chegar já sabe...

– Sim. Buzinar.

– Isso mesmo.

– E Carmen...

– Sim?

– Já viu como o dia está lindo hoje? Nem choveu.

Mais uma vez escuta algo em sérvio e o telefone sendo desligado. Senhor Branco sorri e volta para a janela, olha o céu, admira as folhas nos galhos das árvores balançarem ao vento, vê seus vizinhos. Observa a parte do mundo em que vive juntamente com pessoas que saem de seus lares seguindo para suas rotinas. Dependendo do ponto de vista a vida parece bastante patética nesse momento.

Mas para o senhor Branco não.

...

A HORA ZEROOnde histórias criam vida. Descubra agora