A HORA ZERO

XI - Um Mundo Além de Nós (8)

O sol surgiu, mas o frio permaneceu inalterado. É como se o inverno soprasse para anunciar sua invasão. Branco e Juarez caminham entre a multidão que despertaram seguindo o ritual diário de suas vidas. Apressados, ignorando uns aos outros, alheios a muito que acontece diante de seus olhos.

- Uma grande metrópole de escravos e zumbis - Fala Juarez para Branco como se lhe revelasse um segredo.

- Zumbis? Talvez. Mas muitas vezes penso se os escravos não somos nós - Responde Branco.

- É algo a se analisar. Sim, de fato - Juarez para e coloca a mão no ombro de seu amigo - Não me disse para onde iremos.

- Primeiramente vamos conseguir um veículo.

- Isso é fácil. Já faz uns poucos anos que criei o hábito de restaurar carros antigos. Adquiri um gosto por corridas automobilísticas também.

- Vai me dizer que sua oficina é aqui perto?

- Lógico que não. Seria inconveniente demais. Sabe que minha preferência são lugares remotos e afastados de presença de civis. Contudo um dos ferros-velhos que busco minhas antiguidades é por essa mediação. O senhor Floyd. Muito simpático, por sinal. E como nós temos esse hobby por carros, sei que há como nós fornecer nosso meio de transporte.

- Tenho que reconhecer que suas habilidades sociais melhoraram bastante.

- Obrigado. Agora que a solução do veículo já foi de certo modo resolvida, aguardo por sua resposta.

- Bem merecedora por sinal - Diz sorrindo enquanto retorna a caminhar acompanhado por Juarez que indica o caminho que devem seguir. A voz de Branco soa séria ao prosseguir - Compreende que nos encontramos em uma situação que no mínimo é uma terrível encruzilhada?

- Eu diria que a analogia mais adequada é que nós entramos em uma rua com quase todos os becos sem saída.

- É. As opções óbvias se tornaram as mais inadequadas.

- Então? Qual será o beco que ainda há uma possível saída para nós?

- Os Renegados.

Juarez para novamente:

- Branco. De todos esse é o caminho que absolutamente não haverá nenhuma possibilidade de volta.

- E os outros nos levarão para uma guerra.

- Ainda há duas outras possibilidades que não considerou.

- Que são?

- Nos tornar Foragidos.

- Inviável. Não vou passar o resto da minha vida como um criminoso preocupado com minhas costas o tempo todo. Qual a outra opção?

- Os Exilados de Tormenta.

Branco não responde a princípio. Surpreendeu-se com a sugestão que acabou de ouvir. Após alguns segundos retoma seu pensamento:

- Já não usamos nossa "moeda" com Lafayette?

- Sim. O favor que nos devia foi devidamente pago, porém...

- Porém?

- Ele é um velho sagaz e malandro. Não acredito que não cogitou os acontecimentos ocorridos na fazenda. Ele sempre foi um dos maiores estrategistas, na realidade em seus tempos na Inteligência e na Central era tão bom que parecia prever ações futuras além de suas capacidades naturais.

- Vendo por sua perspectiva verossímil não vejo como questionar tal afirmação, contudo meu receio em seguir adiante com sua ideia persiste. Juntar-nos aos Exilados também não será um caminho sem volta?

- Possivelmente, mas pelo que andei investigando eles não possuem interesse nessa guerra por poder que buscamos não participar. Além do mais...

- Sim?

- Desde que ele que se juntou aos Exilados nenhum dos outros lados se atreveram a atacá-los. O estilo de vida que seguem, apesar de ser visto de forma perigosa e proibida por muitos, não possui perigo de sofrer uma erradicação como houve na Europa.

- E quanto a grandiosa majestade deles? Jamais nos verá com bons olhos. Para ela sempre seremos agentes.

- Sem querer me repetir, porém voltando novamente ao "além do mais", nosso colega está em uma posição de destaque e com toda certeza Tormenta avaliará melhor nossa posição, caso ele seja favorável com nossa presença.

- Certo. Tenho que reconhecer que seu plano foi muito bem orquestrado em um período curto de tempo.

- Na realidade tenho estudado essa hipótese de outrora. Com os inesperados acontecimentos que analisei acabou sendo inviável não recorrer a tal possibilidade.

- E qual foi a conclusão de sua análise?

- Uma repetição na história onde por mais que haja boas intenções no princípio, os que assumem no decorrer dos anos tendem a sucumbirem à corrupção e a ganância.

- O que inevitavelmente traz a guerra.

- Sim. Porém com a última revelação desse nosso estranho episódio que começou na Fazenda, creio que terei que buscar mais informações para compreender a magnitude desses eventos agora. Eu creio que de algum modo tudo possui uma ligação, por menor que seja.