IX - Todos os Nossos Pecados (8)

4 1 0
                                    

Em uma sala escura um homem observa senhor Branco, Juarez e Bella Anna juntamente com os cães de uma das fazendas dos Campos Verdejantes. As lentes de seus óculos refletem o que aparece na tela, ele analisa as ações que ocorrem enquanto registra tudo em um tablet de dimensões de um livro grande. Sua mão aperta um dos teclados que aumenta o volume do som. Ele para de digitar ficando imóvel atento aos três. Das caixas de sons que se encontram no teto pode ouvir claramente o que é dito por eles:

- Seu silêncio lhe denúncia, amigo - Diz Juarez surpreendendo Bella.

- O quê quer dizer com isso? - Pergunta apreensiva - Branco, o quê ele quis dizer com isso?

- Perdão Anna. Não queria lhe deixar aflita. Mas estamos sendo cercados por um grupo maior lá fora. E não creio, mesmo com a ajuda desses animais, que venhamos a ser vitoriosos dessa vez.

Ela olha para a abertura na parede:

- Quantos tempos têm?

- Não o suficiente para alguma estratégia.

- Nesse caso que se danem as regras dessa casa, eu não vou morrer aqui - Ela guarda as facas e se direciona até a lareira. Retira uma pedra da parte interna e com esforço puxa alguma alavanca que ecoa um barulho mecânico. Segundos depois a lareira se move como um carrossel e pára deixando no lugar um espaço para sentar.

Juarez olha intrigado:

- Uma passagem oculta. Como não fui capaz de pressentir isso? Tudo que é eletrônico nessas terras não passou despercebido por mim.

- Não seja arrogante Juarez. Todos nós temos limitações. Nesse caso aqui não há nada de elétrico ou moderno. Isso aqui é mais velho que o nosso querido B.

- Engenhoso. Sempre tive fascinação pelas genialidades da engenharia antiga e das capacidades de inovação dentro das limitações que não possuímos hoje.

- Deixe para se impressionar depois, amigo - Branco interrompe - Pois o tempo urge e ele não está  nosso favor.

- Disse as palavras certas, B - Fala Anna enquanto se acomoda no banco que está no lugar da lareira. Ela olha para os dois, dá para ver o nervosismo em sua face, mas sua voz se mantém firme - Vamos logo, homens. Sentem-se.

Sem demora ambos obedecem. Juarez mexe no rádio e os cães se espalham pela casa e afora. Anna levanta o braço do acento onde revela uma entrada em forma de uma estrela de seis pontas. De baixo do banco, onde se encontra, retira uma manivela que usa para encaixar na abertura. Ao começar a girar a manivela os três começam a girar para o lado direito trazendo a lareira para seu lugar de origem.

Do outro lado Branco e Juarez visualizam um enorme corredor declínio sem qualquer iluminação. Branco usa sua visão para enxergar melhor, Juarez retira seus óculos e utiliza de seu mecanismo artificial para ver, Bella Anna tateia pela parede de seu lado direito até chegar a uma pequena abertura circular. Ela pega uma caixa de fósforos e acende um lampião próximo da abertura. Olha pra os dois e fala:

- Temos que seguir em frente e na primeira bifurcação viramos para esquerda. Haverá outro declínio a seguir. A partir daí o lugar parecerá à porra de um labirinto, então não se atrasem, pois eu não irei parar. Certo?

Os dois não respondem, apenas acenam com a cabeça e a seguem.

Ao chegarem à bifurcação, Juarez olha para trás, instintivamente Branco olha também. Bella Anna prossegue sem parar ou olhar para os dois.

Sons ecoam pelo comprido corredor. Juarez olha para Branco:

- Encontraram a passagem muito rápido. De certeza deve haver no mínimo um Bestial com eles.

- Isso é péssimo. Não há como despistar se deixamos nosso cheiro como um presente.

Juarez olha para frente:

- Mulher de palavra.

- O que?

- Nossa “amiga” Anna. Ela não estava brincando quando disse que não iria parar.

- Não a julgue tanto assim, meu amigo. Infelizmente o humano é possuidor de severas fraquezas. Vamos, podemos alcançá-la facilmente, o que nos leva a outro problema. Nossos seguidores ali nos acharão mais facilmente ainda.

- E aqui não tem muitas opções para enfrenta-los.

Branco segue rapidamente pelo corredor seguido de Juarez que ao virar pelo declínio prende dois pequenos objetos circulares, um no teto e outro na parede. Ao descerem a rampa mencionada por Bella se deparam por uma entrada feita de pedras com aspecto de ser um lugar antigo e abandonado. Acima da entrada há os dizeres: MASMORRA DE OTELO.

Juarez solta um som de descontentamento, Branco nada diz, mas compartilha de mesma opinião. Ambos atravessam a passagem, o barulho da explosão brande as estruturas anunciando a chegada dos invasores. Juarez e Branco se escondem por trás das paredes da entrada, um de cada lado. Juarez olha para a direção que se conecta ao declínio e aguarda. Branco o observa quieto para não o interromper e após alguns segundos presencia ele gesticulando para a direção que vigiava. Uma segunda explosão brande novamente as paredes liberando pó do teto. Branco olha para a origem do incidente e vê que a passagem foi completamente obstruída por escombros. Ele olha para cima, depois para a parede que está e em seguida para Juarez:

- Creio que essa última explosão causou alguma desestrutura nessa arquitetura hedionda.

- Talvez possamos usar isso a nosso favor - Responde e prende mais dois objetos circulares na parede onde se encontra. Joga dois para Branco e diz - Coloque um no alto e o outro bem abaixo. Creio que iremos precisar.

Branco faz o que lhe foi pedido. Juarez segue depressa adentrando por um dos corredores aumentando sua velocidade a cada passo com Branco o acompanhado igualmente. Juarez olha para ele e diz:

- Não sei como ela consegue ocultar suas pegadas, mas consigo saber por onde foi pelo seu perfume. Provavelmente foi dessa forma que o Bestial encontrou tão facilmente a entrada pela lareira.

- Ela tem experiência, meu amigo. Teve seus tempos de ouro na Europa. Mas confesso que depois aprendeu a pecar pela exagerada vaidade.

Juarez para bruscamente. Branco o imita e pergunta:

- Que houve?

- Ali - Ele aponta para o outro lado, para uma parede de outro corredor coberta por desenhos, manchas, setas e palavras. Nela se destaca algo escrito em vermelho escuro:

“Meu nome é Sandra Depott e meu corpo morreu aqui. Meu espírito ao meu Deus pertence e o único perdão que tenho a pedir é para meus pais”.

Branco olha com expressão de lamento, mas nada diz. Juarez olha para ele e fala:

- “Arquitetura hedionda”. Não poderia ter escolhido melhor descrição para definir esse lugar.

Branco o encara:

- Na verdade há sim - E retorna a olhar as palavras registradas na parede - “A casa da dor”.

...

A HORA ZEROOnde histórias criam vida. Descubra agora