IV - O Criador de Monstros (6)

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Carmen encara Johnny como se fosse um inimigo. Ele toma uma postura de defensiva diante dela:

– Carmen. Sei que está furiosa, compreendo muito bem sua posição, pois já estive exatamente assim no princípio…

Ele recua devagar em movimentos calmos:

- Mas se não se deixar levar pela raiva que está sentindo agora e me escutar...

Ela não aguarda terminar a frase. É tão veloz e ágil que ao abrir os olhos Johnny se vê no chão sentindo a dor em sua face. Ele olha para cima e a vê, ainda com a vista turva, parada diante dele com os braços cruzados:

– Agora estou ouvindo.

– Certo… Certo. Não sei como foi capaz disso, mas estou mais admirado do que ofendido… E caramba, Carmen... – Ele segura e aperta seu próprio maxilar - Com o que me acertou? Parece que fui atingido por uma marreta.

– Vá direto ao ponto, Johnny. Quem porra é o Otelo?

Ele levanta se apoiando pelo bastão, cospe um pouco de sangue no chão e estranhamente sorri:

– Lembra que falei quando perdi meus pais? Foi em um caso como um desses vários em que você e B se envolveram. Na época ele tinha outro parceiro, um homem mais velho, sua alcunha era Otelo.
Como a minha é Johnny e você se chama Carmen, nenhum de nós usa o verdadeiro nome.
Quando fui resgatado foi no mesmo período em que ele saía de campo de vez assumindo definitivamente uma instituição de treinamento para jovens como nós.

– Nós? – indaga com tom ríspido, mas sem conseguir conter a curiosidade em sua voz.

– Sim, Carmen, nós. Os órfãos dos heróis de ontem. Pois eu sei bem quem foi seu pai e com toda a certeza já ouviu falar do meu e principalmente de meu avô.

A expressão de Carmen muda, apesar de nunca procurar saber do passado de seu pai, sobre seus casos e parceiros, ela muitas vezes se questionou.

Johnny se encosta a uma das paredes e prossegue enquanto pega mais um objeto de seu casaco, algo com formato de um smartphone:

– Seu pai foi um dos maiores agentes, se não o melhor. Meu avô trabalhou com ele por anos, sempre falava dele, das aventuras que passaram. Eu era novo, mas me recordo bem, são histórias que nunca esquecerei.

Ele liga o aparelho emitindo ruído baixo de estática:

– Era conhecido como O Leão de Roma, apesar de seu registro ser de O Gladiador.

Ela permanece em silêncio com seu olhar sério, fixo nele analisando cada palavra. Johnny nada mais diz e a observa quando não está olhando para o aparelho em sua mão. Por fim Carmen se pronuncia:

– Qual era o codinome dele? De seu avô?

Ele baixa o aparelho mantendo seus olhos nele:

– Meu avô tinha um nome que o definia por completo, o chamavam de O Lenhador. Acredito que já percebeu que os codinomes mudaram com as novas gerações. Dois meses atrás li uma ficha sobre um jovem de quatorze anos, ainda em treinamento, lógico, que foi nomeado de Max 13. Provavelmente serão somente números com o tempo.

Ele para de falar e se concentrava no aparelho:


Consegui encontrá-lo. Pela forma como está se movimentando não conseguiu retirar o bastão. Está bastante ferido por decorrência das cargas elétricas.

– E quanto ao Otelo? Desviou do assunto para não falar dele.

– É… Sempre tento evitar, apesar de que só me tornei o que sou hoje devido a ele. Mas não sei lhe dizer se isso é algo bom ou ruim. – Johnny começa a caminhar acelerando a cada passo e Carmen o acompanha na mesma velocidade. – Depois que ele foi para a instituição eu fui requisitado e enviado para lá. Eu e outros como nós, com talentos e órfãos.

Os dois prosseguem pelo labirinto, indo na direção mais escura e decadente, adentrando por várias passagens e curvas:

– Ele acreditava que para combater o mal era preciso outro nível de soldado. Sem as limitações das emoções e morais humanas.

“Filhos e filhas da dor e sofrimento”, era o que pregava.

– E o Escritório e a Central concordaram com os métodos dele?

– Na época houve muitas baixas, Carmen. Foi uma época de massacres para os agentes de campo, há relatos até sobre uma guerra, mas eu nunca consegui encontrar nenhum registro sobre. E em uma época de crises uma ação radical foi bem aceita como solução viável.

Johnny para e a encara:

– Otelo criou monstros para combater monstros, Carmen.

– Isso não me parece correto

– Eram outros tempos, eram outras pessoas, outros inimigos… Eram outros tipos de soldados.

Ele para de falar, dá uns passos até uma parede de tijolos e fica olhando para ela:

– É aqui. Há alguma passagem bem aqui.

Carmen se aproxima olhando para a parede:

– Ok. Já que disse que seu avô conhecia bem meu pai aqui vai uma frase que ele costumava me dizer. “Se não encontrou a porta, faça uma”.

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