O odor intenso do mofo e de madeira podre domina todo o interior da velha catedral, o que causou certo incômodo para Gohard. Estando com seus sentidos aguçados cheiros e aromas não só lhe trazem informações como em alguns casos lhe trazem recordações. Algumas delas não são nada amistosas nem agradáveis.
Ele ignora a sensação, afasta tais pensamentos, olha para seus companheiros e segue para o altar.
Branco, apesar de não demonstrar, percebe a perturbação de seu amigo, mas decide não se intrometer. Em vez disso descalça uma de suas luvas e toca a parede desgastada que revela tijolos manchados e úmidos. Mantém-se amuado como os outros, porém aparenta uma frieza que não compartilham. Nessas horas tende a não ter emoções para que suas avaliações e ações não sejam comprometidas. Uma característica do qual não conseguiu manter.
Blade por sua vez caminha observando o que um dia foi um templo de Deus, a forma como o lugar está terrivelmente abandonado e caindo aos pedaços, uma imagem que, a seu ver, corresponde a degradação da humanidade. Seus passos cessam próximo de uma das vidraçarias quebradas, seu olhar segue para baixo, há tristeza neles. No solo existem imensas manchas de sangue.
'Sangue inocente’.
Blade é um homem da ciência, sempre buscou enxergar o mundo de forma analítica no intuito de reconhecer os fatos e encontrar respostas, mas sua mãe era uma católica fervorosa e nos últimos meses ele não conseguiu evitar que seu lado religioso aflorasse diante das atrocidades que presenciou, razão pela qual decidiu se aventurar sem questionar o fato de estar quebrando seus votos de fidelidade para a Guarda de elite que protege aqueles que comandam o Escritório e a Central. Os irmãos Cerberus.
Gohard quebra o silêncio direcionando a atenção dos outros para ele:
- Senhores, agora é a hora de juntarmos as nossas informações. Não sinto o cheiro de ninguém aqui que esteja vivo além de nós. E pelo visto o B não sentiu nenhuma presença, humana ou não. E você Blade? Alguma coisa?
- Nenhuma energia auxiliar, irregular ou oculta, sem vigilância, sem dispositivos de segurança ou de alerta. Não senti nada elétrico ou qualquer coisa do tipo aqui ou dentro do terreno dessa velha igreja. Pelas redondezas há apenas o trivial da eletricidade dos postes e de algumas casas mais distantes.
- Certo - Diz Branco - O lugar pode ser considerado em primeira análise seguro.
Segundo Juarez foi aqui que ele rastreou o suspeito.
- Perece bastante promissor esse novo integrante de seu seleto grupo - Fala Blade.
- Sim. Precisa ver suas capacidades para a engenharia robótica. Um jovem que está décadas a frente de qualquer outro que se tenha ouvido falar.
- Soube que ele andou pesquisando sobre minha veste metálica.
- Não leve para o lado pessoal, Blade. Pode parecer ofensivo, mas na realidade ele é seu fã - Responde Branco com um sorriso irônico.
- Vamos deixar a conversa mansa para quando formos beber senhores? - Gohard se intromete - Podemos estar fora do radar da Central, mas isso não significa que outros não possam nos encontrar.
- Certo - Responde Branco - Depois que o suspeito foi capturado pela equipe de Blade, o mesmo tentou tirar a própria vida enquanto estava sendo transferido para o “Edifício de Dante”.
- Detesto esse nome - Gohard fala baixo.
Blade olha para ele:
- Por quê?
- Sabe que esse nome não é o verdadeiro, não é? Mas sabe o porquê de o chamarem assim? Por causa do livro Inferno de Dante. Aquele maldito lugar não é uma centro de contenção para ameaças ou uma prisão especial, Blade. Aquilo é o inferno disfarçado em aço, vidro e concreto no centro da cidade.
- Nunca imaginei que o grande Gohard se apiedasse dos criminosos.
- Não tem haver com misericórdia, Blade. Sabe que não sou de levar os suspeitos vivos. Se trata de não ser um monstro como eles.
- Aqui - Branco os interrompe. Sua voz séria foi insuficiente para ambos se calarem Imediatamente e se voltarem para o que ele estava a mostrar-lhes.
Os dois se aproximam e olham para onde ele observa. Aos seus pés está uma parte do piso de madeira que não está tão desgastado como o resto do assoalho. Gohard se abaixa, com os dedos procura alguma brecha. Após dedilhar por alguns segundos escuta um ruído baixo seguido de outro mais alto. Ele olha para seus parceiros:
- Creio que destravei algo aqui.
- É prudente abrir? Pode haver um mecanismo de segurança - Diz Blade - Apesar de que não há nada com alguma fonte elétrica. Você sente o cheiro de produtos químicos, Gohard?
- Não, mas notei que o odor de mofo e podridão está intenso demais. Ao ponto de me causar incômodo.
- Talvez não seja de origem natural - Fala Branco olhando em volta desconfiado - Blade, com seus conhecimentos sobre tecnologia será que há alguma forma de conseguirem anular sua varredura?
- Não creio que seja possível.
- Pois bem sei que a vida sempre encontra uma forma de nos surpreender. Algumas vezes de formas terríveis - Diz Gohard abrindo a entrada do assoalho.
- Precisa ser imprudente assim?
- Um Bestial só tem paciência para caçar, Blade.
Branco olha para a abertura:
- Tem uma porta com outra tranca.
- Parece uma portinhola igual à de um submarino - Diz Blade.
- Ou de uma cela - Fala Gohard.
- Que tipo de cela estaria em um lugar inóspito como esse? - Pergunta Blade.
- Uma cela para esquecer alguém - Diz Branco.
- Ou uma coisa - Sussurra Gohard para sim mesmo.
- Só há uma forma de descobrir - Responde Branco ao comentário de Gohard.
- Sim. Afinal viemos para tal. Então Blade? Pronto para ser imprudente? - Gohard sorri pra ele e pisca um dos olhos.
- Começamos um caminho sem volta, não? Então abra isso logo de uma vez.
Gohard encaixa as mãos na tranca circular. Na primeira tentativa ele percebe que a mesma está com completamente travada. Na segunda tentativa seus músculos se contraem aumentando nitidamente seu volume, suas mãos se tornam grotescas e veias se espalham pulsando por seu corpo. Ele gira a tranca e após um alto estalo ela abre. Os três olham para a entrada, não há qualquer iluminação de dentro e o cheiro que escapa da abertura é de um lugar mais degradante que a propriedade abandonada.
Os olhos de Branco e Gohard se transmutam intensificando suas capacidades, a armadura de Blade se estende cobrindo seu pescoço, ouvidos e suas mãos. Dessa vez Gohard é o primeiro atravessar pela passagem seguido de Branco. Blade olha em sua volta e segue logo atrás.
De fora daquelas velhas estruturas pessoas de vestes negras observam suas ações em interrupto silêncio.
…
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A HORA ZERO
Science FictionNa sociedade há mais do que nossa mente queira acreditar. Existem camadas por trás de outras camadas ocultas, complexas e terríveis. Nesse lado do mundo a agente Carmem, seu instrutor Branco e seu novo parceiro Johnny lutam constantemente com forças...