IX - Todos os Nossos Pecados (3)

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Alenora caminha pela cozinha com um lampião em mãos, vai até a geladeira. Na porta ela olha fixados os desenhos feitos por ela quando criança. Sorri ao pegar a velha folha em leve tom azul bebê com traços grotescos de dois homens, um pintado de branco e o outro de negro. Ao se dar conta da dualidade das cores seu rosto fica sério, seu olhar demonstra tristeza (ou será angústia?). Ela leva o desenho consigo até a sala onde se encontra Charlotte, que está em pé de frente a uma estante, acendendo uma vela no lugar de outra que se apagou de um dos candelabros. O olhar de Lenora revela a perturbação que a aflige, Charlotte se acomoda de forma elegante em uma das poltronas de tecido colorido, cruza as pernas e diz:

- Me pergunto o por que de tantas velas aqui. Se foi uma casualidade ou se foi por uma previsão dessa tormenta.

- Vovô Lincoln era precavido, às vezes até demais - Sua voz saiu baixa e tímida.

- Hum. O Senhor “poderoso” Lincoln. Um homem em que até sua sombra possui histórias á contar.

- Por que diz isso? - Sua voz parece temerosa agora.

- Querida, não faça perguntas das quais não quer saber as respostas - Responde Charlotte seriamente encarando-a.

- Eu não sei se é mais possível continuar sem saber essas respostas. Não com o que anda me acontecendo.

- E o quê exatamente está lhe acontecendo que,rida?

Lenora se aproxima, senta em um banco perto da poltrona onde Charlotte está, olha para o desenho em suas mãos e morde os lábios. Seus olhos grandes miram na sua hóspede e começam anevoar até ficarem completamente brancos. Charlotte perde sua pose elegante e se inclina para frente com expressão de fascinação:

- Até onde você conseguiu chegar, querida?

Alenora cerra os olhos e ao abrir revela a cor verdadeira deles novamente. Olha mais uma vez para o desenho em suas mãos e fala baixo:

- Eu não sei. Tudo tem ficado confuso demais em minha mente. Cheguei a pensar que estava enlouquecendo, mas comecei recentemente a recordar de acontecimentos de quando era pequena, principalmente aqui nesta casa de praia.

- Vamos devagar então, está bem? Você precisará compreender o seu legado, esse seu dom especial que é um presente que seu avô Branco também possui. Um presente que somente sua família tem. Mas é preciso que saiba que em você há algo incomum que difere de todos os antecessores de sua linhagem.

- E-e o quê é esse dom? E o quê há de diferente em mim?

Charlotte sorri, se levanta e se abaixa ficando de frente a Lenora. Segura as mãos dela, analisa o desenho que ela trouxe consigo, em seguida olha nos olhos dela e diz:

- Com calma, querida. Suavemente. De início me conte a sua história, de como e quando começou a manifestar seu talento, assim saberei como lhe explicar esse novo mundo que se abriu para você - Seus olhos de mel, quase alaranjados, retornam a fitar o desenho - Desse mundo que foi impedido de chegar até você.

A HORA ZEROOnde histórias criam vida. Descubra agora