Levaram trinta e seis segundos para chegarem ao final da escada que encontraram em uma entrada na catedral abandonada. E nenhum dos três desceu com pressa. Apesar da ausência de qualquer fonte de iluminação, Branco e Gohard estavam a vontade no escuro. Já Blade teve que utilizar das ferramentas de suas vestes metálicas, que agora encobre seu rosto e cabeça por completo destacando os olhos artificiais de cor azul brilhante.
Gohard continua na frente, faz parte de sua personalidade querer proteger àqueles que possuem alguma conexão emocional. Branco deu passagem para Blade ir em seguida enquanto permaneceu na retaguarda atento a segurança de seus companheiros e de si mesmo.
O odor fétido e nauseante cerca todo o lugar e a atmosfera intimida de alguma forma cada um deles. Há algo de não natural aqui, uma presença ou uma marca deixada por alguém ou alguma coisa.
Branco sente calafrios percorrerem sua pele, um sinal claro para ele que de fato existe algo de maligno presente. Ele toca no ombro de Blade que ao virar vê seu amigo lhe fazendo um sinal com a mão que somente eles três podem reconhecer. Blade repete o gesto para Gohard que sem nem olhar responde com outro sinal para mostrar que já sabe do que se trata.
O corredor é comprido e um tanto estreito. Está cheio de umidade, os azulejos das paredes estão todos manchados, com rachaduras e quebradiços, há certa quantidade de água enlameada que exala cheiro de podridão. No fim do corredor Gohard se depara com um portão de metal de aparência pesada e antiga, ele não faz qualquer sinal de aviso aos seus amigos, sabe que já estão cientes do que viu. Ele se afasta e olha para dois, não é preciso palavras entre eles. Branco toma á frente, tira suas luvas de couro marrom e desliza seus dedos sobre a superfície fria e metálica da porta até se encontrarem na fechadura de formato estranho. Ele encara a tranca de aparelhos oval que possui caracteres em dourado em suas bordas e alguma ilustração centralizada no lugar de uma abertura para a chave. Ao tocar o desenho percebe ser um tipo de engrenagem. Seus olhos se firmam nas peças e suas mãos se movem sem parar, uma girando os círculos que contornam todo o objeto enquanto a outra gira os círculos de dentro, por fim ao parar de manusea-los percebe que formou a imagem de um olho estilizado no centro. Há algo de perturbador nessa imagem, mas Branco nada disse aos seus companheiros.
Ao apertar à gravura a porta se abre emitindo um leve e ruído fino libertando um odor que lhe provoca mal estar. Ele vira seu rosto para o lado, uma atitude meramente mecânica, em seguida abre espaço para Gohard, sabe que ele irá tomar a frente de qualquer jeito, e aguardou Brasco passar por ele para ficar novamente na retaguarda. Os três caminham devagar com cautela no que parece ser uma sala abandonada de um hospital.
Não, não de um hospital, parece mais com um açougue.
Há uma lâmpada fraca e amarelada que dá para ver que o chão e as paredes possuem manchas de sangue velho. Até o teto possui respingos.
Não, também não é um açougue, aqui é um matadouro.
Esse foi o pensamento unânime dos três e apesar de nenhum deles ter mencionado tal certeza todos sabiam o significado desse lugar.
Independente dos instintos aguçados de Gohard e de Branco estar utilizando de seus talentos foi Blade quem pressentiu uma presença maligna a espreita. Mesmo sem sua iniciativa em ativar a sua armadura, que cobre todo o seu corpo como se fosse sua segunda pele, sons característicos dela revelam que realizará algum ataque imediato. Os outros dois reconhecem o quê ocorrerá e aguardam. Blade não tenta retardar o ataque, pelo contrário, ele se prepara para o combate. Suas mãos se juntam cruzando os dedos elevando seus braços para frente e aponta para um lado do aposento que está mergulhado em penumbra e entulhos. Um disparo surge de suas mãos, o som de forte zumbido rompe o ar pesado como chumbo e uma claridade dissipa todas as sombras presentes. É como um relâmpago dançando nos céus. Gohard protege seus olhos com uma de suas mãos, Branco olha fixamente e fascinado, escombros voam para os lados, poeira, fumaça e cheiro de madeira queimada invadem o ambiente.
Blade descruza os dedos e separam as mãos, seus olhos azuis se destacam após o clarão desaparecer. Branco retorna para retaguarda enquanto Gohard se aproxima do local atingido. Ele se abaixa apoiando uma das mãos no chão com os nós dos dedos e fareja. Seus olhos de felino encaram seus companheiros, sua voz ruge:
- Cuidado!
Tarde demais. Uma sombra se move próximo de Blade e antes dele tentar se esquivar algo o atinge violentamente o arremessando contra a parede arrebentando os azulejos.
Branco se afasta para evitar qualquer possível ataque sobre ele ao mesmo tempo em que tenta ver o que atingiu seu amigo, já Gohard, sempre protetor, vai diretamente em direção do ocorrido se expondo. Branco compreende sua ação, de servir de chamariz para o “invisível” agressor e assim saberem com quem ou o quê estão lidando.
Gohard apoia um dos joelhos no piso, olha para Blade, que apesar de permanecer abaixado não está ferido ou machucado.
Branco percebe uma sutil movimentação entre as sombras, é um “Deslocador”, por isso não foi capaz de avistá-lo.
‘Mas eles são raros. O que faz em um lugar hediondo como esse?’
Ele se transporta de um lugar para outro usando o escuro para se ocultar e não permitir deixar rastros. Agora Branco pode usar seus dons para antecipar uma posição de seu inimigo, calcular sua trajetória, saber sua limitação de deslocamento, geralmente a distância é curta, porém são rápidos e silenciosos o que os tornam mortais em uma luta. Detecta-los também é um problema, é muito fácil errar uma determinação exata o que pode provocar uma terrível derrota.
Branco não consegue ver seus “saltos” nas sombras, não consegue vê-lo, apenas detecta um leve deslocamento de ar de onde acabou de partir. É muito rápido e sutil, ele se transporta ininterruptamente impedindo que seja visto ou que seja capaz de saber onde está ou possa vir a estar.
Mas sempre há a antecipação. Algo que tanto Branco como Gohard aprenderam na prática. Principalmente Gohard com seus instintos que conseguem ultrapassar seus próprios sentidos Bestiais.
O ar se desloca, não há som, não há cheiro, é algo que se sente, é uma previsão, sem se basear em nenhuma informação existente. Gohard se mantém imóvel, coloca uma das mãos apoiada no chão, seu olhar fixo para o vazio e é visível uma mutação em suas feições que começam a se assemelhar com as de um leão.
Novamente ocorre um deslocamento de ar que se repete mais de uma vez. O erro pode ser cometido nesse momento, quando há esse deslocamento, pois isso não indica onde ele possa estar, mas sim onde estava.
A tensão toma conta do lugar. Blade muda de posição, agora mantém suas costas encostadas na parede, um dos joelhos no solo, seus braços elevados com as mãos abertas para se proteger. Branco permanece focado em sua tentativa em conseguir saber a localização do Deslocador ao ponto de não perceber que o mesmo surgiu atrás de si golpeando-o na nuca antes de perceber sua presença. Seu tronco inclina para baixo e antes mesmo de cair no chão seu agressor desaparece.
Gohard fecha os olhos e se prepara, será sua vez ou Blade novamente.
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A HORA ZERO
Science FictionNa sociedade há mais do que nossa mente queira acreditar. Existem camadas por trás de outras camadas ocultas, complexas e terríveis. Nesse lado do mundo a agente Carmem, seu instrutor Branco e seu novo parceiro Johnny lutam constantemente com forças...