IV - O Criador de Monstros (1)

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"Era sua alma que se perdia para seus próprios medos e sádicas ilusões"

Carmen e Johnny caminham pelo corredor seguindo as tubulações. Ela fica na retaguarda, em vigília, enquanto ele utiliza sua lanterna, novamente em facho de luz, a fim de alcançar uma visualização melhor do caminho que estão a percorrer.

Ambos tentam não fazer barulho, enquanto as gotas que brotam dos canos ecoam ao se chocarem no solo. Ratos passam próximos a eles indiferentes de suas presenças.

Johnny para, Carmen olha o porquê e vê que no final do corredor estão perante de um labirinto com paredes desalinhadas, cheio de pequenas aberturas em círculos, com túneis e grades.
O teto é curvado para baixo passando uma sensação que está preste a cair sobre eles e no alto há inúmeras janelas de vários tamanhos gradeadas com estranho aspecto de raízes cheias de espinhos.

- Olhe só. Chegamos ao lugar mais bonito do recinto. - Carmen fala em entonação que é mais de raiva do que de sarcasmo.

- Agora que estamos em mais perigo. - Diz Johnny bem sério.

- Fodidos é o quê você quer dizer, não é? - Levanta os braços enquanto fala. - Olha só para a porra desse lugar. Estamos na merda do parque de diversões dele.

- É... - Responde baixo. - De agora em diante vamos utilizar de toda a cautela.

E sem opção entram na arquitetura criada por um louco. Após longo tempo a passos lentos e duvidosos encontram uma abertura em arco sem grades ou qualquer obstáculo aparente. Acima, dentro do arco, estão talhadas as palavras:

MASMORRA DE OTELO.

A sensação que os atingem é a mesma que a de um pequeno animal ao perceber que seu predador o avistou e agora a única coisa que pode fazer é tentar escapar.

O lugar parece não possuir saída e para cada beco que encontram, Johnny marca o local com um desenho infantil de um crânio sorrindo enquanto Carmen vê que outros estiveram na mesma situação em que estão devido as marcas que deixaram como seu parceiro. São vários tipos de desenhos, números, setas, porém ela se surpreende com o quê há em uma das paredes. São palavras escritas em um vermelho escuro:

"Meu nome é Sandra Depott e meu corpo morreu aqui. Meu espírito ao meu Deus pertence e o único perdão que tenho a pedir são para meus pais".

Ela permanece imóvel olhando os últimos dizeres de uma mulher que nunca conheceu. Johnny se aproxima e com um canivete se direciona na intenção de averiguar do que foi feito a frase, mas antes de prosseguir Carmen o interrompe:

- Não. Não precisa fazer isso.

Ele olha para ela que lhe diz antes dele perguntar:

- Foi escrito com batom.

- Como sabe?

- É como eu teria feito.

E continuam em silêncio buscando uma saída desse lugar que cheira a carne e profanação.
Esse maldito lugar, que nada mais é que uma casa da dor e sofrimento, e isso é algo que mesmo sem ambos falar sabem que pensam e sentem o mesmo. É algo que os dois conhecem bem.

- Você sabe algo sobre esse tal de Otelo? - Pergunta Carmen com uma voz inquieta.

- Desconfortavelmente, exceto pela peça de W. Shakespeare, tenho que admitir que nã...

Carmen o interrompe fazendo sinal com a mão ao mesmo tempo em que se posiciona como sempre faz em situações de perigo. Johnny apaga sua lanterna, a guarda novamente na manga de seu paletó e de um dos bolsos retira um pequeno par de óculos ovais escuros, se assemelhando a olhos de inseto, fixas em uma máscara em um material que parece ser elástico na cor preta. Ao encaixa-la em seu rosto um leve zumbido surge e as lentes se tornam verdes com pequena luminosidade. Depois retira das laterais de suas calças, em bolsos devidamente ocultados, bastões de metal, em tom cinza escuro, na espessura da base de um taco de bilhar. Ao fazer movimentos em direção ao chão elas se alongam revelando serem retráteis, enquanto se posiciona como sua parceira, quase que na mesma formação, um braço para frente e outro para trás, mas não tão abaixado como ela.

Agora tanto Carmen e ele estão na defensiva. O primeiro ataque vem dos cantos mais encobertos pelas sombras, das manchas enegrecidas das paredes e vão diretamente para Carmen. Ela é veloz, sempre foi, desde criança conseguia segurar uma cascavel em pleno bote. Porém dessa vez não foi o suficiente e sente seu rosto ser atingido antes de ver que são correntes finas e afiadas como navalha. Johnny a observa deitada e rolando pelo chão no intuito de se afastar enquanto várias correntes surgem das paredes e se fincam no solo como flechas tentando acerta-la.

Ele apoia um dos joelhos no piso, se curva para frente e desliza as pontas dos bastões um no outro criando uma descarga e antecipando algum ataque sobre si atinge a primeira corrente que tentou atravessar seu peito. O som da eletricidade percorrendo a corrente é alto e faz surgir inúmeras faíscas liberando um odor metálico. Um grito humano de dor abrange em um eco sobrenatural, as correntes recuam todas de uma vez, enquanto Johnny as conta rapidamente em sussurro:

- Quatro... Sete... Dez...

Vai até sua parceira que já se encontra de pé encarando o escuro com seus olhos negros com pequenos pontos luminosos vermelhos. Sua face esquerda está ensanguentada, mas o ferimento não parece estar aberto. Sua voz sai rouca e fria enquanto mantém seus braços abertos, apontados para baixo, movimentando seus dedos ansiosamente:

- Fantasma uma porra, sinto seu cheiro, filho da puta.

Abaixa-se completamente e pega impulso saltando em direção ao lugar que vieram os ataques emitindo um barulho agudo de guincho. Johnny tenta acompanhá-la correndo o mais rápido que pode, mas ela fica cada vez mais distante.

Quando os sons se tornam cada vez mais difíceis de ouvir ele toca no lado direito de sua máscara, a cor das lentes muda do verde para um amarelo brilhante e quatro pequenos círculos da mesma cor acendem acima de cada lente. Pela visão de Johnny o mundo agora é cinza e branco e ele começa a seguir manchas alaranjadas em forma de pegadas e mãos nas paredes. Mais a frente começa a ver que há outro par de pegadas diferentes, as pegadas de Black.

Acelera os passos mantendo firme em suas mãos os bastões que estão emitindo um zumbido semelhante aos de fios de alta tensão. Ao virar uma esquina, sobe alguns degraus e passa por uma abertura circular no centro da parede onde testemunha a luta árdua entre Carmen e Black.

Ela ágil e feroz, utiliza de toda sua velocidade, fúria e capacidades inumanas, o que faz seu parceiro ficar boquiaberto por poucos segundos, mas ver Black o faz analisar suas capacidades de batalha com sua parceira. Sua face demonstra nitidamente que está completamente insano enquanto ataca e se defende com suas correntes que saem de várias partes de seu corpo.

Johnny observa atentamente os dois, cria em sua mente ações e reações como em um jogo de xadrez, pensa nas probabilidades... Algo que seu amigo B lhe ensinou quando ainda era criança.

...

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