VIII - A Noite Mais Escura (final)

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Os olhos de Carmem enegrecem novamente, suas veias dilatam e apesar de sentir seu corpo queimar pelas inúmeras cargas elétricas do arpão fixado ao seu tronco ela não consegue evitar a fera dentro dela dominar sua razão, de lhe consumir a alma e devorar sua humanidade. Balthazar prevê o que estar por vir e se joga para o lado no mesmo instante em que a fera se liberta indo diretamente a quem lhe machucou.
Ele ergue seu outro arpão atingindo-a novamente, mas não há êxito, as garras dilaceram sua máscara juntamente com seu rosto. Em cima de sua presa (jaz morta) ela busca ao seu redor pelo traidor que avista ao longe tentando escapar. Suas pernas se movem velozmente, não há tática, não há raciocínio ou treinamento algum, seu corpo e mente são puro instinto e desejo de morte. Balthazar sabe o que lhe acontece em todas as ações que possa tentar. Então se afasta o máximo que pode aproveitando a fraqueza de sua caçadora, a bestialidade que lhe domina impedindo-a de pensar, o quê para ele era a combinação mais perigosa de Carmem, a razão somado com suas capacidades que a transformaram no que mais ela se destacou no esquadrão dos Karev, um Ceifador de Elite, o posto mais temível e terrível do pelotão de nômades mercenários.

Ele aguarda seu ataque eminente, aguarda o momento exato para um contra-ataque, sua única chance de vitória. Ao pressentir a proximidade da fera finge perder o equilíbrio e cair virado para ela.

'Um tiro certeiro a queima roupa no crânio' . Pensou.

A fera salta, todas as garras expostas, os olhos negros com três pontos vermelhos em cada um, a boca expelindo veneno, Balthazar chega a sentir o medo afligir seu corpo tentando lhe fraquejar, mas ao visualizar o ataque consegue se desviar e ao posicionar a arma encostando-a na têmpora de Carmem puxa o gatilho. Nada. A arma falha, ele sente seu abdômen queimar quando é arremessado para longe. Seu corpo rola para baixo caindo em um leve declínio próximo a casa mata. Quando consegue parar fica de joelhos com sua arma apontada para o vazio enquanto com a outra mão aperta sua barriga. Ele olha para a sua automática e a vê coberta por finas teias, em seguida olha para seu ferimento que jorra sangue formando uma poça abaixo dele. Olha para a parte alta e vê Carmem agachada imóvel o encarado fixamente. Ele deslumbra o que está por vir. Sendo abatido pela fera, sua incapacidade de reagir, sua cabeça fora de seu corpo largado nas areias molhadas da chuva e diante do inevitável gargalha como se acabasse de ouvir uma piada:

- Hilário. Isso tudo foi realmente e tragicamente hilário.

Carmem não parece compreender o que ele diz. O observa falar enquanto permanece imóvel. Ele a encara e grita alto para sua voz ultrapassar os sons da tempestade:

- Vamos lá, Osso Duro. Sou apenas mais uma lápide para você. O quê está aguardando afinal?

Ela salta, ele fecha os olhos, um som alto se destaca juntamente com o brilho dos relâmpagos. Balthazar abre os olhos e a vê caída próximo dele. Ao elevar a vista se depara com o Sargento Khan parado ao lado de uma mulher negra de cabelos longos trançados presos por um lenço preto. Khan se aproxima dele e o ajuda a se levantar:

- Você foi imprudente. Não seguiu o plano que mesmo traçou e quase acabou morrendo aqui nessas terras esquecidas.

- As chances de ela ter essa reação estavam abaixo da média, e nunca imaginei que pudesse ser tão forte assim.

Ao passar pela mulher, Khan fala para ela:

- Termine. Ela se tornou perigosa demais para levarmos viva, Otelo terá que se contentar com uma autópsia.

Ela acena com a cabeça e segue até onde está Carmem. Após alguns passos Balthazar se vira rapidamente para trás, Khan repete seu gesto e ambos veem Carmem de pé com suas garras fincadas no pescoço da mulher que não consegue emitir qualquer som devido ao sangue que transborda de sua boca.

O mundo treme aos sons dos trovões. O brilho dos raios revelam os olhos azuis dela que fitam os dois. Sua voz é abafada pela chuva, Balthazar não consegue ouvir, mas Khan é capaz devido aos seus sentidos aguçados.

Os raios queimam no céu.

Vocês

A chuva se intensifica.

Morrerão

Os ventos cantam junto com o rugido dos velhos Deuses.

Aqui.

O escuro cobre as planícies quando os clarões se dissipam.

A HORA ZEROOnde histórias criam vida. Descubra agora