I - Entre as Sombras e Neblinas (5)

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Quatorze anos atrás:

‘Quantos livros.’

Foi o primeiro pensamento que a menina teve ao entrar pela primeira vez na biblioteca do centro da cidade com seu pai. Usando um vestido laranja enfeitado, de físico magro, cabelos longos ondulados e negros, na altura de sua cintura, alta para seus oito anos de idade.
Ela segura a mão de seu pai, um homem de aparência e vestes simples com barba e cabelos grandes (já não tão negros como os da sua filha). É guiada por ele sorrindo e olhando tudo com ar de fascinação e curiosidade que só as crianças possuem. Seu pai a carrega subindo uma escadaria em forma de S que dá para uma parte restrita. Aproxima-se de uma porta cheia de adereços e bate três vezes com os nós dos dedos. Uma pequena janela da porta é aberta e ele mostra o anel dourado em seu dedo mínimo. Sua filha se atenta a forma do anel que é de um crânio mordendo uma serpente de olhos negros. A janela fecha e a porta é aberta após uns sons de engrenagens. Um senhor sério olha para o homem barbudo, depois para sua filha e sorri.

– Bem vindo, senhor Gohard.

Olha para a criança:

– Bem vinda, jovenzinha. Vamos... Entre, entre.

Ela nota que onde está com seu pai é diferente do primeiro piso, enquanto lá se parece com uma biblioteca convencional com um espaço maior com grandes estantes altas cheias de livros, aqui o salão é menor e no lugar de estantes com livros há armários de vidro com papéis, livros e objetos dentro deles. O pai a coloca em uma cadeira macia de veludo vermelho e feito de madeira trabalhada. Ele empurra a cadeira devagar para mais perto da mesa, também de madeira, mas com os pés parecendo com patas de algum animal mitológico feitos de metal. Uma iluminaria esverdeada paira sobre a mesa e sua hóspede. Ele sai por uns instantes depois de dizer para aguardá-lo. Não demora muito e retorna com alguns livros em mãos, empilha-os sobre a mesa e pega um deles, um livro de capa escura e dura, meio velho:

– Veja. Tenho algo novo para lhe mostrar, minha filha.

Ele abre o livro e o posiciona na sua frente. Ela se inclina a fim de enxergar melhor. Na capa está escrito em dourado o título OS CAMINHANTES NOTURNOS.

Vira as páginas até chegar ao primeiro capítulo e lê:

– Os antigos Andarilhos Noturnos, ou os Caminhantes da Noite, predominavam desde os tempos da idade média...

Depois vira mais páginas até encontrar uma ilustração. Seus olhos se arregalam ao se deparar com a imagem. Um desenho antigo de três criaturas que lembram homens, mas que de fato não havia como ser. Suas peles escurecidas em tons cinza e marrons, os cabelos compridos parecendo que flutuavam nas águas como os de cadáveres, os olhos lembrava o fundo de um fosso sem fim e os dentes afiados com aparência de lâminas de faca serrilhada. Um deles possuía uma língua comprida para fora e todos tinham protuberâncias como chifres em suas cabeças quem lembrava uma coroa. Mais atrás desses três seres havia mais quatro, todos com o mesmo aspecto só que mais escuros e indefinidos nos detalhes. Apesar da imagem assustadora, ela ficou fascinada mais ainda do que com a biblioteca. Olhou para o pai sorrindo:

– Quem são eles, pai?

Seu pai respondeu sorrindo de volta:

– Monstros, querida. Daqueles tradicionais que dão medo.

– São os bandidos, papai?

– Sim, querida. Por isso o papai tem que se ausentar às vezes, para deter os bandidos.

– Eles são perigosos?

– Todos os monstros são minha filha.

– E maus? Eles são maus?

– Gohard ficou em silêncio. Até chegou a abrir a boca, mas teve dúvida no que responder. Olhou para sua filha, passou de leve a mão em seus longos cabelos e deu a melhor resposta que lhe veio à mente:

– Acredito filha, que isso depende do ponto de vista. Para nós eles é que são maus e para eles nós é que somos os vilões.

Ela olha para seu pai sorrindo e retorna a ler o livro.

...

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