IV - O Criador de Monstros (5)

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1977

O jovem Black corre desesperadamente. Ao longe houve os latidos dos cães e gritos de revolta. Estão cada vez mais próximos e seu corpo sente o cansaço consumir suas forças. Ele conhece bem a floresta, havia conseguido escapar deles várias vezes, mas dessa vez os cães acabaram encontrando seu rastro. É o cheiro, o seu cheiro de coisa ruim, sua mãe costumava lhe dizer isso.

"Você carrega dentro de si o mal como seu pai. Você carrega o cheiro da coisa ruim."

Seus pulmões queimam e suas pernas doem, contudo sente alívio ao ver uma cabana surgir depois das grandes árvores, o lugar seguro que buscava chegar.

Ao entrar seu mestre saberá o que fazer, ele certamente o salvará.

Black desse pelo declínio que vai direto para os fundos da cabana, atravessa a passagem oculta que por tantas vezes fez. Percorre por um corredor comprido, baixo e estreito, apressadamente, mas já não tão afoito. Chega até sala após utilizar uma passagem encoberta por um quadro (uma pintura de árvore seca em que as raízes parecem serpentes entrelaçadas) que abre como uma portinhola. Exaurido cai de joelhos no tapete macio. A lareira está acesa e a luz das chamas cria imagens que se movem nas sombras. Sentado em uma grande poltrona virada de frente ao fogo está o homem que Black chama de mestre. Sua voz sai ofegante:

– Meu senhor. Descobriram sobre sua obra. Descobriram sobre mim... Sobre o destino dos anjos.

O homem sentado nada diz, se limita somente a balançar sua taça em movimentos circulares. Em seu dedo médio se destaca um anel em forma de serpente. Black olha para uma das janelas atrás de si, escuta ao distante os sons de seus caçadores e carrascos. Aproxima-se da poltrona ainda de joelhos e menos ofegante:

– Meu senhor... Consegue ouvir? Os latidos... Os gritos... Logo estarão aqui.

A voz estremece e amedronta como um trovão:

– Não perca a fé, meu menino. A grande obra está acima das pequenas vontades dos homens.

Ele direciona seu braço que segura à taça para Black:

– Beba de meu sangue, meu filho.

Ele segura a taça com as duas mãos baixando a cabeça como sinal de reverência, se afasta recuando para trás de joelhos e olhando para o chão, em seguida engole ávido o conteúdo da taça. Seus olhos se fecham permanecendo parado com ar de leveza, de prazer, e cai no tapete tentando se mantiver firme com os braços enquanto os sons lá fora se tornam mais intensos.

A sua volta tudo começa a escurecer como se estivesse perdendo a visão, sua percepção se perde e ele não consegue distinguir se ainda está no chão ou no teto. Seu olhar busca a porta, mal consegue enxergar, mas vê homens entrando gritando seu nome com fúria e chamando-o de assassino. Seus braços fraquejam, seu corpo despenca como um manequim e sua mente mergulha afundando completamente dentro de seus próprios pesadelos.



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