VIII - A Noite Mais Escura (8)

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Alenora caminha pela praia como já fez antes inúmeras vezes. Anda de modo despreocupado, mantendo seu ar sereno, anda em meio a tempestade que espelha aquilo que Charlotte mencionará a ela antes, sobre o que Branco diria sobre a reprensitividade diante dessa ação da natureza. ‘Desolação’. O nome que ecoa em sua mente juntamente com as batidas de seu aflito coração. Provavelmente ela permaneceria assim, isolada em seu próprio mundo se não fosse trazida de volta pela voz de sereia, permaneceria prisioneira nos labirintos de seus próprios pensamentos, um lugar que ela sempre acreditou que o único a compreender as invasões de tais pensamentos seria seu avô paterno, o homem que anseia encontrar. A voz de sereia a interrompe novamente:

- Alenora, o que pensa que está fazendo? Por que está aqui fora nessa tempestade?

Seus olhos fitam a mulher negra, ela vê seus lábios se moverem sem nada ouvir, talvez pelos fortes ventos e chuva, ou talvez devido a sua mente que parece estar sendo ocupada por mais de uma pessoa, mas tudo lhe indica que está ouvindo alguma bronca mesclada à preocupação. Imediatamente ela sorri por se sentir novamente como aquela menina que passava os verões na casa de praia, tempos em que a curiosidade era apenas um conceito natural de seu crescimento, conceito que se transmutou em um sintoma a ser remediado por seu avô Lincoln. Novamente a voz lhe traz a realidade que parece se distanciar cada vez mais:

- Anda menina, segure a minha mão e vamos retornar para a casa.

Alenora a vê esticando o braço em sua direção e apesar de ainda não compreender o que ela está falando, instintivamente sabe o que está tentando lhe dizer. Sem hesitar ela segura sua mão e o mundo a sua volta retorna como se fosse uma parede de vidro espatifando-se em dezenas de milhares de pedaços. Seus olhos se arregalam, seus lábios sorriem diante da quebra de um mundo para o outro, uma ocorrência em segredo que somente ela pode presenciar.

‘Lindo ’ .

- Pela grande Mãe - Fala Charlotte em um tom severo - Você pareceu seu avô em suas crises.

Alenora nada diz, apenas abre um sorriso ainda maior e se sente feliz em saber que a segunda certeza foi confirmada, que ela não era a única a sentir tudo aquilo que havia inoculado em sua mente. E ao ser guiada por Charlotte lhe veio a confirmação sobre a primeira certeza (aquela que a fez se aventurar em sua busca) de que irá encontrar seu avô Branco, aquele que não vê desde seus dois anos de idade e que só conhece pelas histórias de seu falecido pai. E agora com essas duas verdades confirmadas ela entra na casa com seu coração cheio de esperança, o que acaba lhe causando temor ao olhar novamente para o horizonte cinza e feroz. ‘Desolação ‘, foi o que Charlotte lhe disse. A porta é fechada, as persianas são baixadas e as luzes tremulam até se apagarem completamente. Ela escuta os sons intensos, sente o frio invadir a sala e as duas optam pelo silêncio. Essa noite é a mais escura que ela já viu.

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