As palmas ecoam como se estivessem em uma imensa caverna. Black demonstra um sorriso maquiavélico que transborda gargalhadas eufóricas em seguida. Carmen encara seu parceiro com ar de perdida, desconhecendo a situação, ele por sua vez retira as peças que parecem moedas e entrega três para ela, que segura imediatamente. Black se diverte com a presença dos dois, parece até mesmo extremamente feliz:
– Que bom, que bom. É algo maravilhoso, fazia tempo que não recebia mais visitas.
E com o olhar e expressão melancólica prossegue:
– Já fazia muito tempo... De fato. Muito, muito tempo.
Carmem sussurra:
– Johnny, estamos encurralados no território dele. De um sociopata sádico e necrófilo que já está morto. Minhas habilidades não funcionam com fantasmas, porra!
– Joooohnyyy!! – Gritou Black surpreso e entusiasmado:
– Seu nome é Johnny? Mas que inferno de bom, isso é uma notícia mais do que boa.
E caminha, indo um passo lento por vez, até eles. Ao ficar perto de ambos o lugar parece contorcer emitindo sons de aço sendo amassado. Johnny olha para sua parceira, ela olha para ele e algo a faz se lembrar do senhor Branco, aquela calma que assumia sua face nas horas que pareciam mais difíceis.
Black continua seu falatório, conversa com ambos como se fossem seus amigos, mas sem conseguir esconder a excitação que faz surgir seus dentes afiados e escuros:
– Pois bem, eu já sei seu nome e vocês conhecem bem o meu. Agora falta a da sua companheira. Então minha, linda? Vamos não se acanhe. Como se chama? Aposto que deve ser um nome muuuuito lindo.
Ela não sabe como, mas não percebeu que ele estava parado na sua frente.
‘Como não vi isso’. Pensou.
– E então?
– Carmen... Senhor.
– Não. Não. Não, docinho. – E ficando mais perto, segura o queixo dela com sua mão esquerda enquanto oculta a direita em suas próprias costas:
– Me chame de Johnny, minha querida. Somente e somente de Johnny.
As paredes, o teto e o piso rangem, agora parecem mais o som gritante de metal raspando em mármore frio. As luzes que antes estavam tão intensas começam a morrer rapidamente trazendo de volta a realidade do escuro que antes se encontrava tão vívido em sua presença ao mesmo tempo em que Black desaparece. Carmen se prepara, todo seu ser lhe diz que algo de muito ruim lhe aguarda. Seu corpo se contrai transparecendo seus músculos, com a escuridão seus olhos mostram agora dois pontos vermelhos luminosos, suas mãos adquirem uma forma de garra e sua boca emite um som semelhante a um chiado inumano. Seu parceiro, Johnny, a olha rapidamente surpreso, em seguida pega de seu casaco um par de óculos quadrados que ao posicioná-lo em seu rosto acendem em uma cor esverdeada. É um mundo negro e sem vida, até os lençóis escureceram, o som de metal vem de todas as direções causando a sensação de não saberem mais onde estão. Johnny se agacha apoiando um de seus joelhos no chão, Carmen o imita, mas ficando de costas para ele, ambos próximos um do outro tentando antecipar o que estar por vir, tentando escutar além dos barulhos que os rodeiam. E inesperadamente o silêncio toma conta do lugar. Eles permanecem atentos e firmes, controlando suas respirações, se mantendo calmos diante do absurdo.
A risada de Black vagueia como se o próprio edifício estivesse rindo, surge de todos os lados e cantos, de cada móvel coberto, de cada objeto e vira uma gargalhada eufórica transmutando de insanidade nítida para algo grotesco e selvagem. Mas nada se move. As paredes, o teto e o piso não rangem mais e as luzes se apagam e permanecem como estavam quando entraram.
Abruptamente Johnny e Carmen caem para além do piso como se fossem devorados por uma monstruosa boca de longos e afiados dentes, não há como tentar se segurar e ambos são engolidos para um buraco frio como uma cova, profundo como um abismo, cheio de espinhos em torno deles que lhes causam cortes em seus braços, pernas e costas enquanto despencam. Nenhum dos dois emite qualquer som e antes de alcançarem o solo, Carmen se prende a um fio fino como teia de aranha ao mesmo tempo em que com sua mão esquerda segura firme, mas sem demonstrar esforço, seu parceiro pelo seu tornozelo direito. Ele olha para cima avistando o rosto dela e sorri enquanto ela o encara com seus olhos de pontos vermelhos luminosos. Vão descendo devagar até o chão pelo fio criado por Carmen. Já de pé Johnny sussurra:
- Tenho que dizer colega... Você definitivamente é fascinante. Nunca vi nada igual.
- Shhhhh - Faz Carmen pondo o indicador rapidamente em seus próprios lábios e fala bem baixo:
- Quieto Johnny! Estamos sendo observados.
- Não consigo vê-lo, onde ele está?
- Não ele...
Ela aponta devagar para uns três metros acima. Johnny olha e vê várias pessoas, apoiadas em algo que um dia foi um parapeito, os observando.
...
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A HORA ZERO
Science FictionNa sociedade há mais do que nossa mente queira acreditar. Existem camadas por trás de outras camadas ocultas, complexas e terríveis. Nesse lado do mundo a agente Carmem, seu instrutor Branco e seu novo parceiro Johnny lutam constantemente com forças...