VI - O Senhor das Feras (3)

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O casarão da fazenda é iluminado pela intensa noite de lua cheia que se destaca nos céus como um imenso farol. Ao longe, por algumas janelas, pode ver a luz amarela e trêmula da lareira. Os cães permanecem em volta observando, parados como estátuas perfeitas.

Dentro, sentados em um grande sofá de couro marrom, estão o senhor Branco e Juarez, ambos calados e atentos. Uma mulher negra de olhos orientais em um terno escuro surge com uma bandeja com xícaras e um bule dourados. Elegantemente se aproxima dos dois e pergunta:

– Um pouco de chá, cavalheiros?

Juarez meio tímido responde pegando uma das xícaras:

– Oh… Sim. Muito grato.

Branco segura a outra xícara, mas nada diz. A mulher faz uma reverência com a cabeça e diz gentilmente. – Com sua permissão. – E sai do recinto.

Ao se encontrarem a sós novamente Juarez sussurra para seu amigo:

– Não sei se é prudente bebermos.

– Realmente cogitou que alguém conhecido como o Cão de Otelo iria nos envenenar com o chá?

– Não. É devido a hora. Era para estarmos jantando para somente depois tomarmos o chá.

Branco o encara, Juarez o olha de volta sem qualquer demonstração de emoção em sua face:

– Sabe de uma coisa, meu velho amigo? Muitos anos se passaram e muitas vezes eu não o compreendo.

Antes de começarem a tomar o chá ouvem sons de passos na escada. Um homem alto e largo, de cabelo e barba longos e grisalhos, vestindo um casaco de peles marrom. Branco o reconhece de imediato e se levanta:

– Roman. – Fala sorrindo.

– Não atendo mais por essa alcunha, velho amigo.

– Cheguei a pensar que havia morrido.

– Não diria que não houve uma verdade de certo modo sobre isso.

Os dois se cumprimentam apertando fortemente as mãos e em seguida dão um abraço amistoso. Branco se afasta e fala sorrindo:

– E como devo chamá-lo agora?

Juarez permanece sentado bebendo seu chá, observando seriamente os dois.

O homem de casaco de peles responde:

Muralha.

– Interessante. Um bem no estilo dos velhos tempos.

– Vi com o passar dos anos que os métodos que nos foram impostos não possuíam eficácia, então precisei mudar.

– Não aceitou bem o fato de sermos algum tipo de polícia oculta para a sociedade, não?

– O termo correto é lixeiro, Branco. Foi no que haviam nos transformado.

Hummm… Teria discordado de você anos atrás, mas essa verdade é uma que não se pode negar. Por isso se aliou a Otelo?

– Não foi por isso que vieram aqui?

Branco responde sorrindo:

– Na verdade ainda não sei. Vim por um convite que ele me fez, só que aceitei com uns dez anos de atraso.

Muralha esboça um sorriso, mas seus olhos demonstram o oposto. Juarez continua a observá-los, agora os analisando. Então uma nova voz surge quebrando a tensão no ar e atraindo a atenção de Juarez. Uma voz feminina, branda e doce:

– Senhores, senhores, por favor. Principalmente você Muralha. – Fala o encarando e prossegue enquanto desce os degraus seguindo até eles. – Branco, sua raposa. Meu Deus, homem, será que você não envelhece?

Bella Anna. Admito que não imaginava vê-la aqui. Como sempre me surpreendendo.

Ela lhe dá um abraço longo e caloroso, no qual consegue sentir o perfume cativante de seus cabelos longos e ruivos (que lhe deu o apelido de Scarlet em sua mocidade) e seu corpo esbelto, facilmente visível pelas suas roupas justas, quente e macio, o mesmo desde os seus dezesseis anos. E apesar do tempo se demonstrar presente em seu rosto, seu sorriso gracioso de criança se mantém inalterado.

Muralha deixa de esboçar o sorriso e seu olhar fica avermelhado de raiva. Juarez permanece sentado analisando os três e aguardando o que virá a seguir.

Branco recua, desliza as mãos nos braços de Anna até chegar às mãos dela e as segura carinhosamente:

– Mais dois de nós aqui presentes e nessa sala estaria toda a velha gangue.

– É verdade. – Responde baixo ainda com seu sorriso de menina, mas com uma leve tristeza no semblante.

Muralha interrompe de forma impaciente:

– Não vamos recordar de tempos que não devem ser mencionados. Deixemos o passado no passado. – Caminha na direção de Anna. - Vamos nos ater ao presente a fim de saber se terá um futuro aqui. – Ele firma seu olhar em Branco. – Se você terá futuro aqui.

Dessa vez é a voz de Juarez que interrompe:

– Desculpe-me a intromissão, mas foi seu chefe que nos convidou para virmos aqui.

– Está querendo me confrontar, Juarez? Quando foi que ganhou colhões para pensar que pode fazer isso?

– Muralha, mais uma vez peço desculpas. Contudo apesar de seu novo nome, você é o cão de Otelo, e como tal segue ordens sem contrariar.

Muralha transborda fúria pelos olhos, cerra os dentes e fecha os punhos ao ponto de ouvir as falanges estalando. Anna demonstra abismada com as palavras de Juarez e Branco não consegue evitar deixar escapar uma forte e longa gargalhada que ecoa pela sala como música.

A HORA ZEROOnde histórias criam vida. Descubra agora