VII - Aquelas Velhas Canções (final)

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Você nos dá muito trabalho.

A voz soa distante, fria, porém muito familiar. Seus olhos teimam em querer abrir, teve que realizar grande esforço para isso, e ao ter sucesso sua visão não estava em seus melhores dias. Mal conseguia ver os vultos á sua frente, mas um dos perfumes ele reconheceu assim que o sentiu:

– Margot. – Pronunciou o nome como se fosse um pedido e ao sentir uma mão tocando seu rosto sorriu.

– Estou aqui, querido. Todas nós estamos.

Seus olhos ainda não enxergam bem, então usa de suas habilidades para ver melhor. Ao distante ele visualiza uma mulher de longos cabelos negros, lisos e finos partidos no meio, aparenta ter entre trinta e cinco e quarenta anos. Ao lado dela há outra mulher que aparenta a mesma idade, mas possui um ar mais jovial e menos sério que a primeira e seus cabelos são louros e curtos. Ao inclinar seu rosto ele vê quem toca sua face, o rosto da mulher que sempre fez seus olhos brilharem ao presencia-la independentemente do momento. Ela aparenta ser a mais nova das três, seus cabelos são ruivos brilhosos e cacheados e seu sorriso lhe trás uma paz que jamais soube descrever. Ela acaricia seu rosto enquanto fala:

– Tem que parar de me deixar aflita assim, querido. Levamos horas para sarar seu corpo.

– Pare de perder tempo tentando por juízo onde não pode haver. – Diz num tom ríspido a mulher de cabelos longos. – Sabe que quanto mais ele vive, mais teimoso fica.

– Nesse ponto tenho que concordar com nossa irmã. – Fala a loura. – Não sei como um homem que já viveu tanto, e quase morreu tantas vezes. – Nessa parte ela eleva a voz. – Pode ser tão imprudente assim.

– Perdão pelo grande estorvo, mas são ossos do ofício. Nesse ramo é quase impossível não ficar a beira da morte uma ou duas vezes.

– Quatro, Branco. Quatro vezes. - Interrompe a loura mostrando o número com os dedos.

A ruiva sorri para ela que corresponde com um leve riso. A morena acaba sorrindo também e bate palmas:

– Pois bem. Já vi que sempre será assim, você sendo estripado, alvejado, queimado e agora retalhado, e nós curando e se matando para trazê-lo de volta. – Ela se aproxima dele e segura suas mãos. – Cunhado. É por amor que lhe falamos e até lhe damos broncas, mas precisa ser mais cuidadoso, talvez seja hora de sair de campo, já fez tanto e por tanto tempo.

– É. Por que não treina alguém pra ficar no seu lugar? Na sua posição já era para ter feito isso. – Diz a loura se aproximando também.

– Não sei se estou apto para isso agora. Não é uma vida que desejo a outra pessoa.

– Ninguém deseja, querido. – Fala a ruiva. – Mas eu também não desejo ficar viúva.

Os dois se entreolham e sorriem um para o outro como se somente houvesse eles dois na sala. As duas percebem o momento e se afastam deixando o recinto para o íntimo silêncio de ambos. De uma janela entreaberta é possível visualizar que o sol está se pondo para mais uma vez anunciar a chegada da noite.


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