Capítulo 33

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Rebecca não sabia se horas ou dias depois, Marie bateu a porta do quarto onde ela continuava agarrada a Katherine chorando, e avisou que, assim que as duas estivessem prontas, iriam enterrar Demétrius, então, como a única a estar atrapalhando a movimentação alheia, Rebecca se forçou a ficar de pé, lavar o rosto, trocar de roupa e, na companhia de sua esposa, ir até o pátio onde os outros já se encontravam em torno de uma cova que Rebecca pressupôs que Diego ou Denbora haviam cavado. Talvez os dois.

Um silêncio sombrio e doloroso estava no ambiente e todos fitavam o corpo dentro da cova enrolado em um lençol branco, preparado com cuidado por Marie seguindo não só os cuidados naturais com um cadáver como seus ritos religiosos.

Quando Rebecca pode ver com clareza o corpo imóvel ela apertou com mais força a mão de Katherine sentindo-se sem chão e instantaneamente a loira a abraçou de lado enquanto, ao ver tamanho desconforto, Diana cruzou o espaço e pegou a mão livre de Rebecca segurando-a com carinho e firmeza como quem diz que está ali para o que der e vier.

Os minutos se arrastaram sem que ninguém ao certo soubesse o que falar, estava tudo tão errado e perdido que todos temiam o que uma palavra dita errada poderia causar, mas inegavelmente sabiam que alguém precisava falar.

— Eu não conheci muito esse homem, — surpreendentemente quem falou foi Denbora atraindo todos os olhares para si — a primeira vez que o vi creio eu, foi quando ele encontrou o corpo de Alessandro e, o que me chamou a atenção foram duas coisas: a preocupação instantânea que ele pôs em você Rebecca, negligenciando a própria dor de ter perdido o amigo, e, a decisão de, mesmo sabendo o quão poderoso aquele relógio poderia ser, entregar a uma criança pequena apenas para ela ter uma ligação mais forte com o avô. Naquela época eu achava que poucos humanos valessem a pena, ainda acho, embora agora os "poucos" tenham aumentado relativamente de tamanho, mas lembro de olhar pra ele e pensar: esse é um dos que vale muito. Ele nunca me decepcionou. Negligenciou a si mesmo pelos que amava sempre, independente dos riscos ou do que poderia resultar. Demétrius Gard foi um homem honrado e é uma alma iluminada.

O silêncio se instalou em seguida, mas por curto tempo já que depois de uma sequência de arfadas Will conseguiu começar a falar:

— Meu avô sempre manteve uma imagem de um rei frio, alguém inalcançável e insuportável de convivência, cobrador sempre do melhor, grosso... Mas todos aqui sabemos que ele sempre foi uma manteiga derretida. — Will riu choroso. — Ele optou por ficar no trono mais que o normal para que minha mãe e minha tia pudessem não só ter filhos como cuidar deles, cuidar de mim e de Carol. Ele enterrou mais membros da família do que acreditou que precisaria fazer, mas sempre se manteve forte pelos outros. Ele amou, foi um ser humano completo e bem acima da média e foi um ótimo rei até sua morte. Pretendo fazer um legado como o dele, dar o meu melhor quando tiver novamente Izotz em mãos e caso isso nunca aconteça, eu espero ser, pelo menos, dez por cento do homem que ele foi. Demétrius Gard foi o homem mais grandioso com que tive o prazer de conviver e cada frase dele se tornou um ensinamento que passarei a frente. Eu o amava e ainda o amo, seu corpo se foi, mas seu amor e sua luz continuaram conosco pela eternidade.

Com o silêncio de Will o peso da fala e dos olhares recaiu sobre Rebecca que já não mais chorava, porém tinha o olhar fixo no corpo do homem.

— Não há nada de novo para dizer, todos já exaltaram as qualidades dele, o quão bom, amável, respeitoso e preocupado ele era. Não é como se eu pudesse trazer uma nova informação bombástica sobre ele. Ele era tudo isso e muito mais. Demétrius era o homem que, não importa o quão escuro o mundo esteja conseguia enxergar um pontinho de luz e transformar em um farol, era o homem das mudanças de perspectiva, dos olhares avaliadores e das visões completamente diferentes que só você não conseguiria pensar, mas saindo da boca dele faziam muito sentido. Ele foi como um avô pra mim, um pai e um mentor e eu só posso agradecer pela dádiva de tê-lo comigo por tantos anos e agora, espero que ele siga em paz. — Rebecca ficou em silêncio assim que terminou.

Trilogia A Primeira Fênix - Livro I, II e IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora