Capítulo 44- Com o inverno na alma

1.1K 70 80
                                    


ANNE

Era mais uma manhã de inverno fria e cortante, onde uma brisa mais gelada ainda tocava a janela do quarto de Anne, deixando uma marca embaçada nos vidros de estilo colonial. Com o dedo indicador ela escreveu seu nome e de Gilbert, vendo-os desaparecer em seguida com mais uma rajada de vento que fez a casa estremecer.

Nevara a noite inteira, e havia pilhas de gelo na entrada da casa, assim como em todas as estradas que levavam até a estação de trem de onde naquele dia Gilbert partiria.

Seu coração estava tão pequeno dentro do peito, que Anne às vezes respirava mais profundamente, buscando por ar. Não havia nada que aliviasse a sua dor, nada que pudesse ser dito ou feito que impedisse sua alma de se estilhaçar em pedacinhos tão pequeninos que ela não conseguiria mais colá-los. Passara meses se preparando, e dias inteiros dizendo a si mesma que ficaria bem, porque ela e Gilbert se amavam e nada poderia mudar isso, mas não adiantara nada.

Ela passara a noite anterior insone, os olhos pregados no teto de seu quarto, as lágrimas rolando feito um oceano transbordante, e o resultado fora que acordara com uma tremenda dor de cabeça, os olhos e o nariz vermelhos como se estivesse com um grande resfriado. Em qualquer outro dia, isso a irritaria demais, mais naquele momento nada importava. Se o mundo estivesse desabando sobre sua cabeça não a afetaria, como também não importaria se o sol nunca mais nascesse, pois dentro dela o inverno tinha tomado conta de tudo, e o frio que sentia estava impregnado em seus ossos.

Anne fechou os olhos por um segundo, desejando que tivesse o poder de fazer o tempo voltar, pois assim adiaria mais um pouco a partida de Gilbert, e não estaria sufocando em sua própria agonia.

As festas de fim de ano tinham passado em um piscar de olhos, e Anne e Gilbert comemoraram o início de um novo ano sem muito entusiasmo. O que Anne se perguntava era por que a realização de um sonho tinha que trazer com ele os sacrifícios de outros? A única resposta que encontrara fora que a vida era cheia de desafios, e manter- se firme e confiante dependia da consciência e boa vontade de cada um, e que não havia vitórias sem perdas, ou alegrias sem dores, porque dessa forma tornaria o sacrifício mais significativo, e a conquista mais doce.

Entretanto, ela não queria ser colocada à prova, não queria que seu amor por Gilbert fosse testado. Ela não queria ter que se separar dele, mas o sonho de Gilbert exigia isso, e ela tinha que respeitar e tinha que apoiá-lo, mesmo que tudo dentro dela quisesse gritar de dor. Ela respirou fundo mais uma vez, abriu os olhos e se preparou para encontrar Gilbert. Ela o acompanharia até a estação de trem, e de lá ele iniciaria sua viagem até Nova Iorque.

Anne foi até o espelho e olhou com desgosto para sua imagem refletida. Ela tinha consciência que estava horrível, por isso carregou um pouco mais na maquiagem, na esperança de que escondesse os traços das lágrimas ainda visíveis em seu rosto.

- Anne, Gilbert chegou. - Marilla disse no andar de baixo. O coração de Anne se acelerou tanto que ela pôs a mão sobre o peito, tentando fazer com que as batidas voltassem ao normal. Ela colocou o chapéu, as luvas de inverno e rezou para que Gilbert não lesse em seus olhos a sua angustia extrema. Em seguida, Anne passou a mãos pelos cabelos, alisou a saia preta que usava e ensaiou um sorriso. Contou até dez, depois até vinte, e finalmente desceu as escadas.

Gilbert estava sentado de frente para a lareira. Tinha a cabeça baixa, e segurava nas mãos a boina que Anne lhe dera no Natal, e parecia imerso em pensamentos. O barulho dos passos da ruivinha na escada, fizera com que ele levantasse a cabeça e olhasse em direção a ela.

Anne sorriu com ternura ao ver as marcas escuras em volta dos olhos dele. Ele também estava sofrendo, ela podia ver a expressão ansiosa em seu rosto enquanto se levantava da poltrona, e caminhava em sua direção. Tantas lembranças chegaram até Anne em uma fração de segundos. Ela se lembrou do primeiro dia que ele voltara, como ela se sentira presa a aqueles olhos castanhos, o dia em que ele a salvara do incêndio na igreja, o primeiro beijo que trocaram, o medo que sentira ao descobrir que estava apaixonada, o dia em que ela se declarara para Gilbert quando pensara que já o havia perdido, a doença de Mary e a fragilidade de Gilbert, a primeira vez que fizeram amor, o pedido de noivado e tantos momentos perfeitos que se seguiram depois. E agora, ela teria que sobreviver com aquelas lembranças, até que ele viesse para casa e pudessem viver muito mais momento como aqueles. Ela seria capaz de suportar a solidão? Ela seria capaz de aguentar a distância entre eles? Será que o tempo passaria rápido ou demoraria a passar? Quantos pores- de-sóis veria sozinha e quantas noites de lua observaria de sua janela desejando que Gilbert estivesse com ela? Ela continuou a sorrir, mas as lágrimas queimavam em seus olhos, disfarçou o quanto pôde e então disse para Gilbert assim que ele rodeou sua cintura com seus braços fortes:

Anne with an e continuação da sérieOnde histórias criam vida. Descubra agora