· Perspectiva de Gizelly
Presenciar a Rafa desmoronando daquela forma, me partia o coração. Desde que ela chegou a minha casa, quando tínhamos apenas dez anos, sentir uma enorme vontade de coloca-la sobre a minha proteção. Eu não entendi naquela época o que sentia por ela, nem mesmo imagina que chegaríamos aqui, tendo tudo isso que construímos.
Cresci vendo o modo que sua mãe, quem deveria lhe proteger das coisas ruins do mundo, lhe oprimindo e boicotando suas vitórias, como se tivesse prazer em ver a filha diminuída. Eu não odiava Genilda por ter casado com meu pai, nem mesmo por ela me tratar mal como uma madrasta digna de um excelente filme de princesa é capaz de ter. Eu a odiava por tudo o que ela causou a própria filha, sim, eu a odiava por ter feito Rafaella acreditar que era um nada. Um peso em suas costas. Presenciei varias vezes ela atacar a criança que possuía uma pequena deficiência na perna por absolutamente nada aparente, assim como presenciei ela descontar suas frustações na Rafa.
Eu entendia o motivo dela está desmoronando agora, eu realmente entendo. Depois de ter passado uma infância aos "cuidados" de Genilda, se sentir intrusa, culpada dentre outros sentimentos depreciativos era algo de se esperar.
Quando cogitei levar a Sofia na psicóloga, pensei também nela. Pois sabia que só eu dizer o quão tola ela estava sendo não iria adiantar de nada. Ver sua avó compartilhando da mesma linha de raciocínio que a minha, me dava ainda mais certeza que eu estava no caminho certo.
Minha filha estava em processo de rejeição pelo pai, o que não é novidade. As visitas ao hospital, antes diárias, foi diminuindo o fluxo ao longo do seu crescimento. Quanto mais a Sofia crescia, menos ela tinha desejo de visitar o pai. Eu sabia que ela só continuava a ir para agradar a Rafa, que fazia questão de contar para ela como o irmão era maravilhoso e o quanto a Sofia iria amar compartilhar momentos ao seu lado, assim como ela já havia compartilhado.
Eu entendia a falta de desejo da minha filha, ela não passava de um bebê quando ele entrou em coma, não tendo oportunidade de criar um laço afetivo. Mesmo a gente contanto o quanto incrível seu pai era, isso não se comparava a experiencia real do convívio. Sabíamos que precisaríamos ter paciência com ela, e com todo o processo de aproximação entre os dois. Mas para isso eu precisava que a Rafa também estivesse firme ao meu lado, lidar com a Soso e ela ao mesmo tempo seria demais para mim. Afinal, eu também precisava lidar com os meus sentimentos, que eu tinha deixado em stand-by.
- Minha filha, você não pode se deixar influenciar pelas barbaridades que sua mãe diz. E não, não venha me dizer que não é isso que estar acontecendo, porque eu sei muito bem que é exatamente assim. – Ela coloca a xicara na mesinha de centro a nossa frente. – Você se tornou uma mulher tão forte e determinada, conseguiu criar uma empresa com muita garra. Construiu uma família tão linda ao lado dessa mulher maravilhosa e tão forte e determinada quanto você. Não se deixe levar por esses pensamentos e sentimentos negativos, você vai acabar boicotando sua felicidade.
- Vó...
- Nem vó, nem meia vó. – Marcina a interrompeu. – Eu fiquei em choque por saber da noticia por sua mãe, você sabe bem como ela é. Ela me deixou tão nervosa, minha filha, que primeiro pensei que você não sabia. E temi dela aprontar algo contra você, depois no augi do rompante dela percebi que você já sabia, então queria que você viesse para cá o quanto antes. Eu parei de tentar entender o que fiz de errado na criação da sua mãe, para que ela se tornasse essa pessoa de hoje. Eu realmente não entendo o que leva uma mãe a tratar os filhos com distinção.
Observei a dona Marcina tentar colocar um pouco de juízo na cabeça da Rafa, e faze-la entender de uma vez por todas o quão seus pensamentos a estava levando para um caminho errado.
Comentei também sobre a nossa ida a psicóloga amanhã, e de como eu esperava que a profissional ajudasse tanto a minha filha quanto a minha esposa. Eu realmente esperava que ajudasse.
Um tempo depois, quando o clima já estava um pouco mais leve, e os detalhes sobre a visita de Rafaella ao hospital ontem e a visita inesperada da sua mãe hoje foram detalhadas por elas. Seguido pela conversa do estado de saúde em que Renato se encontrava.
Por fim, algum tempo depois, nos reunimos para tomamos o café da manhã, assim chamando a Soso para se unir conosco novamente.
-Isso meu amor, toma logo o seu leitinho que temos que voltar para casa. – Rafa diz, tentando apressar a Soso que está brincando com a comida.
- Vamos levar a Soso para o hospital, como saímos com pressa, vamos ter que dar um pulinho em casa antes. – Começo a explicar para Marcina, mas sou interrompida por Sofia.
- Eu não quero ir para o hospital. – Sofia diz manhosa.
- Oh meu amor, mas tínhamos combinado de ir lá. Eu te disse que o seu pai está querendo te ver. – Rafa diz num tom suave. – Ele esta louco para te ver
- É verdade filha, ele adora quando você o visita. – Digo, tentando convencê-la a ir.
- Como é que você sabe? Toda a vez que eu fui lá ele nunca falou nada, ele nunca me viu de verdade. – Ela argumenta.
- Todas as vezes que você o visitou, ele podia sentir que você estava lá. E não precisa falar para saber quando alguém ama a gente. – Disse Rafa, se inclinando para ficar mais próxima a Sofia.
- Acho que precisa. – Soso deu de ombros.
- Soso, olha aqui. – Rafa esticou o braço por cima da mesa, para que segurasse na mão de Sofia. – Quando você era bem bebezinha, seu pai ficou louco para te carregar nos braços e dizer o quanto te amava, sabia? Ele queria cuidar de você, te dar muito carinho, muito beijo. E é por isso que agora a gente vai lá, conversar com ele, dar um beijo nele.
- Mas ele nunca conversa. – Insistiu Sofia.
- Sim, meu anjo. – Marcina interviu. – Mas agora seu pai vai te responder, não como as mamães e a bisa, porque ele ainda está fraquinho, mas ele vai te ver e ouvir. E mesmo que ele não diga nada, lá no fundo do coraçãozinho dele, ele vai te responder. Vai dizer o quanto te ama, que sente muita saudade de você e que quer te ver sempre cada vez mais linda. Ham, viu? Como sua mãe disse, seu pai estar querendo te ver minha linda.
- Ele não é o meu pai. – Sofia tomou o restante do leite em seu copo, e se levantou. - Eu vou buscar o cavalinho que eu desenhei, eu deixei lá no quarto da mama.
- Oh amor, você nem tomou café direito. Antes de irmos você pega. – Digo tentando fazer com que ela voltasse para o seu lugar.
- Terminei sim, olha. – Levantou o copo vazio. E saiu correndo.
- Que história é essa agora de não querer ir mais ao hospital e de dizer que o Renato não é seu pai? – Dona Marcina pergunta num tom baixo, com medo de que Sofia a escutasse.
- Eu não sei, vó. Ela encasquetou agora com essa ideia de que o Tato não é seu pai, e se recusa a ir visita-lo. – Rafa disse, sua voz soando um pouco triste.
- Amanhã vamos leva-la a terapeuta, agora que a Soso está com mais consciência e com ideia próprias formadas, nesse caso é melhor procurar um apoio profissional para saber como lidar. Eu juro que as vezes eu fico bem perdida. – Admitir.
- Mãe, aqui meu desenho. Eu queria ficar aqui com minha bisa, aí você e a mama podem ir sem mim para o hospital. Nem precisa ficar preocupada comigo. – Soso voltou saltitante com um papel nas mãos.
- Oh meu amor, outro dia. Porque a bisa tem algumas tarefas para fazer e não pode ficar com você, não é dona Marcina.
- Sim, sua mãe tem razão.
- Então vamos, precisamos nos adiantar. – Disse já me levantando.
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A vida da gente
FanfictionPoderia começar dizendo que este não é apenas mais um conto clichê, mas não pretendo começar com falsidades. Afinal, é verdade que este romance tem suas raízes no clichê, mas permita-me destacar que, mesmo sendo inevitavelmente familiar, ele reserva...