Porta voz

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· Perspectiva de Gizelly

Tinha pedido para que nada mudasse com o beijo, mas não tinha imaginado que sentiria tudo aquilo ao beija-la. Ainda sentia meus lábios queimarem com a sensação que o beijo tinha deixado para trás. Estava tentando entender o que estava acontecendo comigo quando ouvir a Tia Gegê entrar berrando na casa.

Não pensei duas vezes, corri para perto da Rafaella.

Eu sabia muito bem como sua mãe iria acabar a culpando por termos feito aquela festinha.

Eu não conseguia entender isso nela, ser completamente amável com um e tornar a outra alvo dos seus ataques. Eu via o quanto Rafaella tentava agradá-la, sempre em vão. Não importava o que ela fazia, sua mãe sempre menosprezava diminuindo as suas conquistas.

Com a fisio, Rafaella tinha parado de mancar de forma evidente. Agora conseguia manter um equilíbrio ao ponto de disfarçar o seu problema. Lembro de quando correu para mostrar a sua mãe, ela nem ao menos parou para olhar, nem por um segundo. Sentir vontade de gritar com ela o quanto estava sendo estúpida, como fazia com meu pai quando ele me ignorava por muito tempo, mas fui impedida por Rafa. Que me olhou de forma firme e balançou a cabeça de forma negativa. Ela sempre conseguia frear o meu lado mais agressivo, evitando que eu entrasse em mais encrenca do que o costume.

- Podem me dizer o que está acontecendo aqui ou vou ter que chamar a polícia e informar que houve uma invasão de propriedade. – Disse de forma ríspida. – Quem teve essa estúpida ideia? Foi você Rafaella?

Rafaella segurou a minha mão tão forte que chegou a doer.

- Pode chamar, não existe invasão, afinal a casa é minha. – Disse de modo desafiador, a encarei sustentando o olhar.

- Então você é a porta voz. – Zombou ela. – Correção, essa casa é do seu pai e você não passa de uma pirralha.

Meu pai nunca escondeu seu objetivo com a criação rígida que me oferecia, eu seria sua sucessora. Mesmo depois do casamento, ele arrumou um jeito de nada mudar. Não sei ao certo o que ele tramou, mas escutei uma conversa onde deixava claro que tudo estava no meu nome e por ser herança da minha mãe a sua nova mulher não teria direito algum. Eu não entendia muito o que tudo aquilo significava, mas o que Thais me explicou foi que a casa era minha, então eu tinha todo o direito de convidar quem eu quisesse. E decidir usar essa informação contra a fúria da Tia Gegê.

- Eu que lhe corrijo, a casa é minha e eu convido quem eu quiser. Então se chamar a polícia, quem vai passar vergonha não serei eu. Além do mais, irá chamar atenção que sabe muito bem que o meu pai odeia.

- Ela também irá odiar saber o que sua filha aprontou em sua ausência. Não se esqueça que você ainda está sobre a nossa tutela, não passa de uma criança. Como todos vocês. – Disse ela encarando cada rosto daquela sala.

Não sei se só agora ela ficou ciente da sua presença ali, mas sua fúria pareceu aumentar dez vezes mais. Ela encarou Tato parado ao meu lado.

- Mãe, estávamos apenas comemorando o meu aniversário. – Disse Tato, falando pela primeira vez desde a chegada de sua mãe.

- Quer me explicar o que você está fazendo aqui, Renato? – Sua voz soou estridente.

- Como disse, estamos só comemorando o meu aniversário. Nada demais.

- Você não chegaria só amanhã?

E como se tudo encaixa-se, Tia Gegê entendeu que tudo não passou de uma armação nossa. Que tinha sido enganada em relação a sua chegada. Nesse momento eu sabia que estaria ferrada quando meu pai chegasse e que Rafaella também sofreria as consequências, mas não iria abaixar a cabeça para ela.

- Acho melhor vocês irem para suas casas imediatamente, antes que eu ligue para os seus pais informando o que estavam fazendo aqui. – Continuo ela.

Todos começaram a sair, nos deixando para trás.

- Mãe, a ideia foi minha. Legal que a senhora organizou algo para amanhã, mas hoje eu queria estar só com meus amigos. Longe da pressão de ficar falando sobre o campeonato e como me vejo no futuro. Eu só queria uma noite de folga, por isso fiz esse encontro. As meninas não tem nada com isso. A culpa é toda minha. – Disse Tato num tom manso, tentando apaziguar a situação a qual nos metemos.

- Não me importa quem inventou isso, vocês mentiram e tramaram pelas minhas costas. – Olhando para Rafaella ela continuou. – E você, se fingindo de boa menina e não passa de uma mentirosa. De tanto andar com essa daí se tornou uma delinquente como ela. Já sabia que você era uma inútil, agora mentirosa é novidade.

A fúria me tomou, eu não ligava para o que pensavam sobre mim, mas eu não suportava que falassem da minha melhor amiga daquela maneira, mesmo que fosse sua mãe. Nem mesmo Rafaella seria capaz de me fazer ficar em silêncio naquele momento.

- A senhora é uma estúpida, nem merecia ter uma filha como a Rafa. Inútil é a senhora que vive nas custas do meu pai. Não faz nada além de gastar o dinheiro dele, maltratar a Rafa e explorar o Tato. Ele mal tem tempo para aproveitar as coisas, porque a senhora insistir em obrigá-lo a treinar além do necessário. Eu prefiro mil vezes está como estou, sem ter minha mãe do que ter tido uma como você. A senhora nem merece ser chamada de mãe.

Não me dei conta de quando ela se aproximou de mim me dando um forte tapa no rosto.

Sentir como se algo quente estivesse queimando a minha face. Por mais que eu sempre estivesse metido em discussões com os meninos da escola, nunca tinha levado um tapa. Nem mesmo do meu pai, que sempre perdia a cabeça comigo.

Levei a mão até o local que queimava feito chama.

- Me desculpe. – Disse ela me encarando em espanto.

- Gi! – Ouvir a voz da Rafa soar feito um sopro.

Sentir vontade de chorar, minha garganta queimava por dentro. Meus olhos começaram a ficar turvos, e antes que eu cedesse a cachoeira de lágrimas que estava prestes a cair, sair correndo. Não queria dá o gosto daquela mulher me ver chorando.

Naquele momento sentir a falta de ter minha mãe por perto. Queria ter a sua proteção, seu colo.

Corri pela colina sem saber ao certo que rumo eu estava tomando. Só queria ir o mais longe que minhas penas pudessem aguentar. Mesmo com tudo escuro ao meu redor, eu conseguir evitar levar um tombo. Quando cheguei na clareira me joguei no chão. Deitada ali, olhando para o céu me permitir chorar. A grama alta servindo de colchão para mim, sabia que minhas roupas iriam ficar molhadas por conta do sereno, mas não me importei.

Só então percebi que tinha sido seguida.

Tato se deitou ao meu lado, me puxando de modo que eu apoiasse a cabeça em seu peito. 

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