Maior medo

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· Perspectiva de Rafa

Por mais que eu acreditasse em suas palavras, não conseguia me convencer que não tinha tomado o lugar que pertencia ao meu irmão. Eu queria acredita, desejava veemente acreditar que tudo o que acabará de me dizer era de fato a verdade, mas o sentimento dentro de mim fazia com que eu me sentisse uma usurpadora.

Ficamos por longos minutos em silêncio, minha cabeça encostada em seu peito, sentindo o subir e descer que sua respiração provocava.

Mas minha mente não estava em silêncio. Várias vozes disputavam espaço em minha cabeça, tentando me convencer do seu ponto de vista sobre tudo. Enquanto uma tentava me mostrar que Gizelly estava certa, que eu não tinha motivos para me sentir dessa forma, a outra dizia que era a minha culpa o Tato ter ficado em coma. Foi graças a mim que ele saiu feito louco naquela noite. Já a outra me fazia imaginar como teria sido esses últimos seis anos se o acidente não tivesse acontecido. Gizelly estaria ao meu lado? Eu teria confessado o meu amor por ela? Renato teria a feito confessar que Sofia era a sua filha, e juntos criado ela?

Os minutos ali, aninhada em Gizelly, pareceram se arrastar em apoio ao meu desejo de fazer aquela conexão ser duradoura. Mas eu precisava falar.

Me afastando o suficiente para encara-la, disse:

- Olha, Gizelly, eu quero te dizer que o que aconteceu entre a gente, eu nunca imaginei. Eu nunca achava que o Renato, que... – Sentir que não iria conseguir continuar a tornar uma das vozes da minha cabeça real, a colando para fora, mas continuei. – Ninguém mais acreditava e chegou uma hora em que eu também deixei de acreditar.

- Eu sei. Comigo também foi assim.

- O que eu quero te dizer, Gi, é que quando a gente ficou juntas eu nunca, nunca imaginei que um dia o Tato. Que ele pudesse... – As lagrimas começaram a se acumular novamente atras dos meus olhos, e a sensação que minha garganta estava se fechando tinha me dominado, assim dificultando ainda mais a minha fala. – Se isso muda alguma coisa para você, ou mudou, eu só quero te dizer que por mais duro que seja, Gi, eu só quero te dizer que eu entendo. O que aconteceu entre você e o Tato, aconteceu antes da gente. E por mais que desejamos que nossa relação não mude, sei que é algo impossível de evitar. Mas quero que saiba que eu irei entender, irei respeitar a sua escolha.

- Ei, ei ei. - Ela me puxou para perto de si, em um abraço apertado. As lágrimas que antes ameaçavam, agora caiam em cascata.

Estava com muito medo de perdê-la, de perder a minha família.

Por mais que ela estivesse tentando me fazer acreditar que isto não iria acontecer, uma grande parte de mim acreditava no contrário.

Mas o meu maior medo no momento era de contar para o meu irmão.

- Amor, pelo amor de Deus. – Ela deu um beijo em meu rosto e depois voltou a se afastar, mas segurou as minhas mãos, mantendo-as em sobre seu colo. – Olha para mim, não me fala uma coisa dessa. Eu te amo. A gente construiu uma vida juntas. Eu sei que é uma situação delicada, não vou dizer que não, mas a gente não fez nada de errado. A gente se ama, se respeita. Assim como existe amor e respeito pelo Renato. A gente vai achar uma maneira de contar para ele.

- Como? Como Gizelly? – desfaço o enlaço de nossas mãos, e as levo ao rosto. – Eu já repassei essa cena mil vezes em minha cabeça, quando eu imagino contando para ele. Eu não consigo, eu simplesmente não consigo.

- Calma, meu amor. Calma. – Ela segura os meus braços, tentando fazer com que eu me acalme, o que me faz olhar para ela. – Calma. Como tudo na vida é sempre mais difícil antes da gente conseguir falar, mas depois que essa aflição se transforma em palavras, a gente. Eu não sei, parece que tudo se ajeita.

- Como é que eu vou exigir força do meu irmão, Gizelly, se quando mover um braço, articular uma palavra, dá um passo já consome toda energia dele? Como vou pedir que ele entenda que agora estou casada com a mãe de sua filha?

- Talvez não seja o momento ainda, o único problema é que a gente sabe de uma coisa que ele não sabe. Isso coloca a gente em mundos completamente diferentes...

- Eu sei.

- Causando uma tensão ainda maior.

- O pior é que tem a Sofia, ela está sentindo que tem algo acontecendo entre a gente. Por mais maravilhosa que foi a notícia, ela ficou mexida. Além de tentarmos entender e buscar uma maneira de lidar com essa situação da melhor forma, temos que pensar nela. Ela não quer o ver, e se for por minha culpa? E se eu deixei meus medos refletirem nela e por isso ela não o aceita?

- Você sabe que não é sua culpa. – Gizelly colocou sua mão direita na lateral do meu rosto. – Não leve as coisas para esse lado, você sabe que não é assim. Ela não conviveu com ele como nós, ela apenas conheceu uma versão resumida sobre ele. Seu único contato foi com um homem em uma cama de hospital, dormindo profundamente e que deveria vê-lo como pai, mesmo não tendo oportunidade de criar qualquer vínculo. Essa rejeição é dela, criada por sua própria vivência e nada referente a você, a nós. Sempre demonstramos o quão maravilhoso ele era, é. Sei que as coisas estão complicadas agora, que tudo parece está à beira de um grande abismo, mas eu preciso que você acredite em mim. A reação da Soso não é culpa sua, da mesma forma que o que aconteceu entre a gente é algo para se sentir culpada.

- Eu estou com medo. – Admitir. – Estou com medo por mim, mas ainda mais pela Soso. Ela é tão pequena, ela não sabe direito o que significa tudo isso, o que vai mudar na vida dela.

- Sabe o que eu acho? Eu acho que a gente precisa de ajuda, orientação. Amanhã irei ligar para terapeuta dela e marcar para a gente conversar na segunda no primeiro horário vago dela. Assim conseguiremos saber o que fazer, falar, como falar para que ela sinta-se mais segura. Sinta que não sofrerá mudanças drásticas ao aceitar o Renato em nossas vidas, da mesma forma fazer com que você entenda de uma vez por todas que não deve se sentir culpada por nada.

Não sabia mais o que dizer, eu realmente queria acreditar que não tinha culpa, mas estava se tornando algo impossível de acontecer. Depois de tomar banho me deitei de lado, encarando o abajur a minha frente refletindo sobre tudo o que tinha acontecido nas últimas horas. Mais uma vez, as vozes na minha cabeça travando uma batalha.

Após o seu banho, ela também se deitou virada para o lado do seu abajur. Mesmo não me virando para olha-la eu sabia disso.

- Já dormiu? – Gizelly perguntou, ainda de costas para mim.

Pensei por alguns segundo não responder, assim ela pensaria que sim, mas decidir que não deveria fazer isso.

- Quase. – Respondi de forma contida.

Ela se virou para mim, me puxando, fazendo com que também me virasse para ela.

- Boa noite. – Disse, me dando um beijo rápido nos lábios.

Um nó em minha garganta se formou, não conseguir responder. Ela voltou se virou e voltou a olhar para o seu lado da cama. Apenas me virei novamente, voltando para minha antiga posição também.

Tudo estava errado, por mais que me dissesse que nada iria mudar, este momento provava que sua fala era infundada. As coisas já estavam mudando. Não me recordo de uma única noite irmos dormir sem nos falarmos direito, que dirá dormir afastadas dessa maneira. Uma de cada lado da cama, em seu próprio mundinho.

Ela é a primeira a desligar o abajur ao seu lado, repito o movimento desligando o meu. 

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