Nossa família

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Rafaella se mantinha calada sentada meu lado, me perguntei o que estava se passando por sua cabeça. Ela era sempre a primeira a tranquilizar a Sofia em momentos como estes, mas desta vez parecia que estava perdida em seus próprios tormentos, foi quando um pensamento me atingiu. E se ela está com o mesmo medo que a Sofia? Então tudo começou, de certa maneira, se encaixa. Suas falas confusas, suas declarações hesitantes. Agora tudo fazia sentido.

Só poderia ser isso.

Não tinha como ser outro motivo.

Mas agora eu não poderia conversar com ela, não na frente da Sofia.

Se o fizesse só iria encher ainda mais a cabeça da minha filha de dúvidas sobre a solidez da nossa família. Não queria que ela soubesse que a Rafa também estava em dúvida sobre nós, isso iria abalar ainda mais os seus sentimentos. Então decidir me concentrar em uma de cada vez, primeiro iria me certificar de que Sofia entendesse que nada iria mudar com o fato de seu pai acordar de um como. Quero dizer, nada irá mudar em nossa família. Mas que ela finalmente iria conhecer realmente o pai, e se assim ele quisesse, permitir que ele também fizesse parte da sua vida. Não iria negar isso para ambos, apesar do passado.

Foi então que me dei conta do quanto ainda me sentia magoada por ele ter me virado as costas quando eu mais precisei do seu apoio.

Empurrei esta descoberta para o fundo dos meus pensamentos, também não sentia que era o momento para remoer o passado e nem dos sentimentos que ele ainda me causava.

- Filha! Sei que estar acostumada com nossa vida do jeitinho que ela é. Comigo, sua mama e sua bisa. – Faço uma pequena pausa. – A notícia que a mama trouxe para nós, é algo a ser celebrado. Pois ter o seu pai de volta é algo bom e não ruim como pensa. Ele não vai tomar o lugar de ninguém, ao contrário, ele irá preencher um lugar que já o pertence em nossa família. Além de trazer alegria para a mama, bisa. E até mesmo para a sua avó. – Faço uma careta para ela ao citar a mãe de Rafaella. O que arranca uma gargalhada da Soso. – Elas amam muito o seu pai, e sei que você também vai amar conhecê-lo. Então não se fecha antes de se dar a oportunidade, tudo bem?

Ela alternar o olhar entre mim e Rafaella.

Começo a acreditar que minha filha também notou que havia algo de errado com a sua mama, pois demorou um pouco mais a encarando.

- Você está feliz, mama? – Soso pergunta a Rafa.

O que atira, seja lá de onde seus pensamentos a levaram.

- Oh! Sim! Estou muito feliz, meu anjo. – Ela abriu um sorriso para Soso, que a princípio não retribui, mas logo devolveu o sorriso para a mãe. – Eu sentir muita falta ele. – Admiti. – Éramos muito grudados quando criança, ele sempre me protegeu como um bom irmão mais velho é capaz de fazer. Quando eu era bem pequena, ele me contava histórias me ajudando a dormir e ficando do meu lado a noite inteira para que eu não tivesse pesadelos. Sim, eu estou muito feliz que ele tenha acordado. Sentir muita falta do meu irmãozinho.

Sentir um nó se formar em minha garganta.

Eu sabia muito bem o que o Renato era para a Rafa, pois tinha presenciado em primeira mão um pouco de como era a relação dos dois. A cumplicidade que existia entre eles, e a forma que Rafaella idolatrava o irmão mais velho.

Apesar das minhas suspeitas referentes aos seus medos em relação a nossa família, eu sabia que as palavras de Rafaella eram verdadeiras. Ela realmente estava feliz por ter o irmão de volta.

- Eu vou ser uma boa irmã mais velha também. – Sofia sorri de forma genuína.

E lá estava de volta novamente a conversa sobre o irmãozinho.

- Sim, sei que será. – Rafa concordou com ela. – Assim como seu pai é para mim. Você não precisa ter medo, meu amor. Você precisa dar uma oportunidade a ele antes de qualquer coisa, você precisa o conhecer realmente. Sei que sua mãe e eu contou algumas coisas sobre ele para você, mas isso não é o suficiente para que você possa realmente o conhecer. Você precisa conviver e tirar suas próprias conclusões sobre ele, mas para isso precisa abrir esse coraçãozinho e deixar todo o medo ir embora e dar espaço para um novo sentimento. Sei que agora parece assustador tudo isso, mas sua mãe e eu sempre estaremos ao seu lado. Não importa o que aconteça.

Eu a encarei, as lágrimas que antes queimavam atrás dos meus olhos agora caiam feito cascatas. Não conseguir conter a emoção, eu tinha me casado com a melhor mulher do mundo.

- Por que está chorando, mamãe? – Sofia passou os dedinhos pelo meu rosto na tentativa de enxugar as lágrimas.

- Porque a mamãe estar muito feliz por ter vocês duas em minha vida. – Respondi com a voz embargada. – Eu amo tanto vocês.

Sofia entrelaçou os bracinhos pelo meu pescoço, me abraçando forte.

- Te amo mais. – Disse com o queixo apoiado em meu ombro.

- E eu amo muito mais as duas. – Rafa se juntou ao abraço.

Ficamos por alguns segundos novamente assim, agarradas em um único abraço. Quando de repente sinto um cheiro forte vindo da cozinha.

- Nosso almoço! – Grito, as assustando. – Está queimando.

Tiro Soso do meu colo e corro para a cozinha, mas quando conseguir alcançar o forno era tarde demais. O estrago já tinha sido feito. Enquanto colocava a travessa em cima da pia, Rafa chegava no cômodo com Sofia em seu colo.

- Teremos que pedir algo para almoçar por telefone. - Disse apontando para o conteúdo queimado da travessa. - Aquilo ali está incomestível, infelizmente.

- Não acredito mamãe, você deixou queimar. – Soso fez biquinho. – Você não manda mais na cozinha, agora sou eu. Agora é você é a soou aquilo lá.

Rafa ergueu uma sobrancelha para mim, em busca de uma explicação. Eu tentei segurar o riso, mas falhei miseravelmente.

- A culpa não foi minha, foi da sua mama que me distraiu. - Eu estreitei os olhos para minha filha.

- Minha culpa? – Rafa fingiu indignação.

- A chef nunca erra na cozinha, a culpa é sempre de alguém, menos dela. – Digo com resignação. – A Soou chef continua sendo você, Soso.

Digo sorrindo para ela.

A expressão no rosto de Rafaella suaviza, sei que ela entendeu finalmente do que estávamos falando.

Trinta minutos depois o entregador estava na porta com o nosso pedido. Durante o almoço conseguimos manter uma atmosfera leve e longe de qualquer drama causado pela noticia da volta de Tato. Rafa encheu Sofia de perguntas sobre sua apresentação e como tinha sido o evento, pediu também para que ela recitasse novamente seu pequeno poema. O que arrancou algumas lágrimas de emoção dela, e minhas também.

Depois de deixarmos a cozinha organizada, subimos para o primeiro andar.

No quarto de Sofia conversamos um pouco mais sobre o dia, desta vez voltando a tocar no assunto Tato.

- Amanhã iremos ao hospital visitá-lo. – Disse Rafa em animação para ela. – Ele estar louca para te ver, pequena.

Foi a vez de Rafaella contar como tinha sido o reencontro com o seu irmão, desta vez Soso a ouviu com mais entusiasmo, o medo dando lugar a curiosidade em saber um pouco mais sobre o homem que ocuparia um lugar em sua vida de forma mais ativa. Antes ele era apenas uma ideia, alguém quem ela apenas visitava ocasionalmente e não tinha trocado nenhuma convivência profunda. Mas agora. Agora tudo irá mudar. 

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