Me chama pelo nome

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·         Perspectiva de Gizelly

Estou saindo do consultório com o coração um pouco mais tranquilo. Ver a Soso baixar um pouco a sua guardar e finalmente aceitar nos acompanhar na visita ao Renato me deixou feliz, assim como aquela pontinha de esperança em aceita-lo como pai ganhasse um pouco mais de foça dentro de mim.

Eu desejava essa aproximação, não por sentir que ela sinta falta de ter um pai ou algo do tipo. Apesar de ter sido um dos meus medos nos seus primeiros anos, que ela crescesse sentindo a falta de uma figura paterna, assim como eu sentir mesmo tendo meu pai presente, isso não foi o seu caso.

Sofia entendia o que tinha acontecido com seu pai, sempre tomamos o cuidado de deixar tudo claro para ela, como quando Rafa e eu decidimos ficar juntas romanticamente, o que aconteceu logo em seu primeiro ano na escola, onde ela estaria sempre em contato com outras crianças e por consequência com suas formações familiares.

E mesmo tendo apenas três aninhos, entender a minha relação com a Rafa e a nova formação familiar não lhe pareceu um bicho de sete cabeças. Como ela mesma disse; "Amar não é errado se deixa o coração cheinho de felicidade". Sim, meu amor pela Rafa me deixava mais do que feliz, assim como o meu amor pela Soso. E era esse amor que eu desejava para o Renato, o amor de nossa filha, desejava que eles se amassem. Que ele pudesse, assim como eu, sentir esse vinculo com a pequena.

Era o que eu desejava desde o início, quando fui procura-lo para falar que esperava um bebê seu, quando reencontrei ele e Rafa no parque enquanto passeava com a Sofia e sentir vontade de falar a verdade sobre ela, antes de tudo isso acontecer e ele ficar preso em uma cama de hospital. Desejava que o amor que eu sentia por ela, ele também fosse capaz de sentir e vice versa.

Então saber que isto estava mais próximo de acontecer me deixou bastante contente.

Após saímos da sessão, deixei a Soso com a Rafa para que ela a levasse de volta para casa antes de voltar para a sua empresa. Eu precisava resolver alguns assuntos no escritório antes de ter o dia como concluído, então não teria como leva-la, mesmo morrendo de vontade de jogar tudo pelos ares e passar o resto da tarde ao lado da minha pequena.

Ter uma empresa para comandar as vezes me deixava frustrada. Em momentos como este, que eu queria apenas ficar com a minha filha, mas precisava estar na empresa me deixava com um grande gosto de frustação na garganta. Não queria ser como ele, como meu pai, que priorizava os negócios antes de mim. Então, toda vez que eu me pegava em momentos como este, que tinha que deixar, de certo modo, minha vontade de lado para priorizar os negócios era impossível não me sentir de outra maneira.

E com esse sentimento me tranquei no meu escritório, colocando toda as minhas energias e concentração na pilha de papeis a minha frente para os organizar e resolver o quanto antes. E assim acabo não vendo as horas passarem.

A concentração direcionada a um montante de papeis sobre a minha mesa é desviada para o toque insistente do meu celular, que só realmente ouço quando ele dar o seu último toque. Eu iria ignorar a chamada, afinal já tinham desligado, e voltar para os papeis quando ele volta a tocar.

Assim que verifico a tela duas coisas acontecem simultaneamente.

A primeira é um sorriso largo se abrir em meu rosto ao me deparar com a foto de Rafa e Soso no visor indicando que a ligação era sua. A segunda coisa a acontecer é eu perceber que já tinha passado e muito do horário de deixar o escritório.

- Amor? – Ouço sua voz doce do outro lado da linha.

Ouvir sua voz, mesmo que ela estivesse distante, tinha o poder de me deixar com um sorriso bobo no rosto, mas também aquecia de uma forma inexplicável o meu coração.

- Ei, amor! – Saldo de forma animada, pois eu realmente estava feliz com a sua ligação.

- Aconteceu algo? – Sua voz soa um pouco preocupada.

- Não aconteceu nada. – Digo.

- Você está atrasada.

- Oh, mil desculpas, amor. Me perdi entre a papelada e acabei esquecendo do tempo, mas já, já chego aí. Espero que o jantar não tenha esfriado por minha culpa.

- Amo! Eu não acredito que você esqueceu que prometeu ser a responsável pelo jantar. – Mesmo não vendo, eu sabia que ela deveria estar fazendo biquinho. – Estamos mortas de fome, além de quase você ter me matado de preocupação. Pensei que tinha acontecido algo quando cheguei e encontrei a Thais ainda aqui.

Ela começa a tagarela do outro lado da linha, sem ao menos me dar a chance de falar.

Eu realmente tinha esquecido de que seria a responsável pelo jantar. Encarei os papeis a minha frente como se com meu olhar eles entendessem que eu os culpava por isso.

- Eu até pensei em fazer algo, mas a Soso tá aqui reclamando que você prometeu e que era pra esperar, mesmo eu explicando que você deve ter tido um imprevisto. Eu estou com fome, Gizelly, e sua filha também. Como deixa a criança com fome?

- Amor, calma. Eu chego em alguns minutos. – Digo tentando não demonstrar que estou rindo com o drama da minha esposa.

Eu sabia que ela estava mais preocupada em algo ter acontecido comigo do que propriamente com o jantar esquecido.

- Não se faz isso com a criança, Gizelly.

- Desculpa, amor. Pede desculpa a Soso por mim também. – Digo num tom suave. – No caminho pego algo, não serei eu quem fez, mas no final das costas acabo cumprindo com a palavra de ficar responsável pelo jantar.

- Não precisa, eu ligo e peço para entregar, assim você vem direto para casa. É bem melhor desse jeito, Gizelly.

- Vai continuar com esse papo de Gizelly, Rafaella?

- Que papo, uai? Apenas sugerir o mais prático. Você vem para casa, eu peço a comida, ganhamos tempo ao invés de perder com a sua parada em algum restaurante. 

Agora era ela que estava rindo, eu podia perceber pelo seu tom de voz.

- Tudo bem Rafaella. – Devolvo a provocação.

- Não me chama de Rafaella. – Ela reclama.

- Hum, é bom, não é? Onde estava o amor ou meu bem quando você estava me chamando pelo nome?

Desta vez ela rir alto, o que me faz gargalhar também.

- Boba. – Digo. – Amo você.

- Também te amo. – Sua voz soa tão doce. – Vem logo pra casa, estamos com saudade.

- Não mais do que eu estou de vocês.

Quando finalmente pude deixar minha mesa, já passava das seis horas. A encaro antes de fechar a porta do meu escritório, e não consigo evitar pensar em tudo o que aconteceu em minha vida que me trouxe até ali. E com esse questionamento não pude evitar em voltar a pensar em meu pai, o qual nunca mais conversei depois que o confrontei ao reivindicar tudo o que me pertencia. A última notícia que tive dele, foi que sua mulher estava gravida e que eles tinham saído do país, isso foi um pouco depois do aniversário de um ano da Soso. Desde então nunca mais soube de noticias suas, tão pouco de sua nova família.

Eu sentia muito por não ter podido conhecer a criança, afinal ela era minha meia irmã, ou irmão. A única coisa que me deixava muito triste nesse afastamento. Não deixo que isso me afeta-se, pensar nele sempre me deixava triste. Então começo a andar em direção a saída, para finalmente me reunir a minha família.

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