Garantir a sua felicidade

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· Perspectiva de Tato

Eu queria muito beijá-la, mas algo me fez frear. Ela não era como as outras garotas com quem eu saia, essas garotas não chegavam aos pés da Gizelly. Desde quando cheguei nessa casa sentir que ela seria minha, seria a garota que iria roubar o meu coração. E assim aconteceu. Por mais que eu não tenha tido coragem de contar para ela, nem mesmo para a minha irmã que é a pessoa que mais confio nessa vida, eu sinto algo muito forte pela Gizelly. Tento buscar nas outras garotas um modo de tirá-la da minha cabeça, afinal não podemos ficar junto. E eu nem ao menos sei se é isso que ela também quer.

Por mais que odeie que eu a chame de mama, não sei se ela não gosta por conta de pensar que eu estou a tratando como uma criança, ou pelo simples fato de realmente não me enxergar como um irmão.

Amor o jeito explosivo que ela possui, a risada tempestuosa e nada discreta que ela dá. Mas nunca tive coragem de dizer isso para ela.

Estando ali, a sós, a poucos centímetros da sua boca, queria esquecer todos os meus medos e finalmente beijá-la. Como sempre, fui um tremendo covarde. Assim como sou quando o assunto é a minha mãe e a sua insistência em me fazer sempre o número um no tênis. No começo eu amava praticar, me movimentar e toda a mecânica do esporte, mas quando a treinadora disse para a minha mãe sobre o "meu potencial" tudo mudou. O que eu tinha como um prazer, passou a ser a razão da minha existência. Não que eu odeio o tênis, na verdade amo. Eu fico muito feliz quando ganho um torneio. Sinto uma euforia me dominar quando estou competindo, e adoro essa sensação. Mas o que o me deixa triste é que tudo passou a ter um peso ainda maior.

Meu tempo vago era escasso, e quase sempre regulado pela minha mãe. O que também me deixou um pouco mais longe da minha irmãzinha. Eu já não estava mais tão presente para protege-la de tudo, mas principalmente da minha mãe.

Eu nunca entendo o motivo que levava ela tratar a Rafa tão mal, mesmo quando a Rafinha só tentava agrada-la. Temos somente um ano de diferença, mas sinto que sou o responsável por ela, afinal sou seu irmão mais velho. Ela é tão doce, desde que me lembro ela sempre tentou ver o lado bom das coisas. Sempre me pediu para não se opor a minha mãe. Por mais que a nossa mãe a trate mal, ela sempre é compreensiva e doce com ela. Sempre tenta me mostrar que está bem, por mais que na maioria das vezes eu não acredite muito.

Assim que voltamos da clareira, nos deparamos com a minha mãe. Eu tentei ir atras da Gi, mas minha mãe me segurou pelo braço, me impedindo.

- Onde você pensa que vai? – Disse ela, num tom que demonstrava o quanto estava com raiva.

- Eu... Eu só vou ver como ela está. – Tentei argumentar.

- Ela está ótima, não precisa se preocupar. – Disse ela, ainda me segurando pelo braço. – Vamos! Precisando ter uma conversinha mocinho.

Ela me levou para o seu quarto.

O Pai de Gizelly ainda estava viajando, o que iria nos garantir privacidade. Pois ninguém em sã consciência entraria naquele quarto sem que a minha mãe solicitasse. Eu sabia que estava encrencado, mas o fato dela me levar para o seu quarto só me deixou ainda mais apreensivo. Geralmente ela me daria uma palestra do quanto era importante eu manter a cabeça no tênis e não deixar que coisas superficiais estragassem com a minha carreira.

Minha mãe abriu a porta do quarto que dividia com o pai da Gizelly me deixando entrar primeiro. Assim que entramos, ela fechou a porta trás de si.

Por mais que agora pertencesse ao casal, o quanto ainda parecia bastante masculino. Tinha uma saleta com um sofá de couro negro de dois lugares e duas poltronas da mesma cor, ao centro sobre um tapete de pelos negros uma mesa de vidro oval com apenas um vaso de porcelana trabalhada com um ramalhete de rosas dando um toque delicado ao local.

- O que você pensa que estava fazendo com a sua vida? – Me perguntou.

Eu permaneci em pé a encarando. Queria demonstrar estar firme e pronto para rebater quaisquer coisas que viesse dela, afinal eu não era mais criança. Tenho quinze anos, já está na hora dela me tratar com um pouco mais de seriedade.

- Como falei antes, eu só queria comemorar o meu aniversário do meu jeito. Pelo menos desta vez. – Disse num tom firme.

- Renato Kalimann, você acha mesmo que devo acreditar que esta ideia absurda partiu de você? Que agora você resolveu que estava na hora de começar a mentir para mim? – Ela andava de um lado para o outro enquanto falava. Eu apenas a seguia com os olhos. – Você acha mesmo que irei acreditar que você conseguiu organizar uma festinha daquela sem ter ajuda de ninguém. De que suas queridinhas não tiveram nenhum envolvimento nisso?

- Elas não fizeram nada, não estou mentindo. A culpa de tudo foi minha. – Tentei soar o mais convicto possível. Não queria que as meninas sofressem por apenas tentar fazer algo legal para mim.

- Eu te coloquei nesse mundo, te conheço melhor do que qualquer um. Abdiquei de mim para que você tivesse tudo o que deseja, para que nunca sofresse como eu para agora você mentir para mim. Tudo o que fiz e faço por você não vale de nada, não é?

- Mãe, eu não mentir para a senhora. Não é isso...

- E o que é então? – Ela se virou e me encarou, sentir meu coração em pedaços por ela está chorando. – Eu sei muito bem que isso não partiu de você, mas insiste em mentir para mim. Mentiu sobre a sua chegada, mentiu sobre a festa. O que mais você esconde da sua mãe, devo me preocupar?

- Eu não mentir, só queria passar o meu aniversário com meus amigos. Eu sempre estou viajando quando não estou na escola, quando estou aqui tenho que participar de eventos insuportáveis e quase não vejo os meus amigos. Nem vou pra festa com eles, nem ao menos me comporto como alguém da minha idade.

- Esses eventos insuportáveis foram o que nos garantiram de não passar fome quando o estúpido do seu pai nos abandonou. Eu passei um sufoco para dar o melhor para vocês quando aquele imprestável me deixou grávida e com uma criança de colo sem se preocupar como ficaríamos. Você acha que foi fácil para mim trabalhar em uma lanchonete e ainda criar duas crianças sozinha? Conseguir fazer com que você pudesse usar o club sem custos por trabalhar nele, quando sua treinadora disse que você poderia ser grande gastei tudo o que não tinha para investir em você. E depois de tudo você não dá valor para o meu esforço. Menti para mim como se não houvesse problema nisso.

- Caramba, não é isso. – Eu queria gritar e dizer o quanto ela estava exagerando, mas sabia que fazer isso só iria piorar as coisas. - A Rafa e eu damos muito valor para tudo o que a senhora fez e faz pela gente. Era só algo bobo com os meus amigos. Me desculpe por isso, eu não vou mais fazer isso.

- Não irá mesmo. – Ela me encarou com um olhar que me causou calafrios, ela nunca tinha me olhado desse jeito. – Ouça bem o que estou lhe dizendo, a partir de hoje se eu lhe pegar mentindo para mim, mandarei você direto para uma escola interna onde só sairá para participar dos torneios. Não me importo se virá a me odiar, mas não irei permitir que você estrague a sua vida. Aquela delinquentizinha pode fazer o que quiser da vida dela, assim como a inútil da sua irmã, mas você eu não irei deixar estragar a própria vida.

Ela veio até mim, me abraçou.

- Eu te amo mais do que tudo, só estou tentando garantir a sua felicidade. Você me entende?

Envolvi meus braços no corpo dela.

- Entendo. Também te amo. 

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