Bazuca abriu o portão e me pediu para esperar aqui no interior da casa. Como eu queria matar a saudade do papagaio mais mala do mundo, caminhei com cuidado até encontrar a cozinha.
Era estranho estar de volta, agora com a ideia de que a Yara também frequenta este lugar, que encontrou meu brinco perdido em algum destes cômodos.
Zé estava empoleirado no pedaço de madeira de sua gaiola. O clima aqui dentro era ameno; pela janela acima da pia, que dava vista para uma ribanceira e uma alta montanha, entrava um vento gélido, um intruso assoviado sua triste melodia.
Não havia panelas no fogão e nem qualquer sinal de que a cozinha foi utilizada recentemente. Ele não estava ficando aqui?
O chão, e cada superfície plana, estavam lustrados, limpos como na casa da minha avó. Era encantador como o lugarzinho dele era convidativo e tinha um toque de casa de fazenda: reclusa, silenciosa, refrigerada e ampla.
A cortina leve, sobre a pia, me recebeu com uma dança sensual. Zé, distraído com suas penas, bicando qualquer parasita instalado entre elas, não me viu chegar. Me aproximei da gaiola sem alarde, pois não pretendia assustar o bicho.
Quando enfiei a mão na portinha alta para tocar a ponta do dedo em sua cabecinha, ele virou violentamente e por pouco não me bicou. Se meus reflexos não fossem rápidos, agora meu dedo estaria sangrando. Seria bem feito por eu insistir em toca-lo. Aron avisou que ele não curtia.
Abro a boca, horrorizada, mas rindo daquele atrevimento.
- Eu sou sua amiga, carinha. Você é um chato. – digo, ressentida, sacudindo o dedo para me livrar da dor imaginaria que uma bicada desse rabugento poderia ter causado. – Eu estava com saudade de você, e é assim que sou recebida? Só ia te fazer um carinho, seu ingrato...
Não estou falando sério, devo frisar. Sabia dos riscos quando tentei a sorte. Ele não é um animal muito tombado a amizades.
- Alcaidaaaaa! Olha os alemãoooo! Alcaidaaaaa! – assovia ele.
- Ih... começou com a recriminação... Sai fora seu loro mal-encarado! – finjo brigar com ele.
- NA FAIXA DE GAZA SOU HOMEM BOMBA..... – ele cantarola um trecho dessa múscia do jeito enrolado e arrastado que papagaios costumam cantar. – Alcaidaaaaa!
Peste de papagaio escandaloso!
Mas conheço esse funk que ele cantou e, inclusive, ouso dizer que até meio que gosto.
Me curvando aos seus encantos, aplaudo a ave perigosa que bica quem chega perto.
- Tu é marrento, mas canta bem, hein, Zé da viola. – dou risada quando ele repete novamente a única parte da música que sabe numa melodia própria dessa espécime.
Caio na risada, mas ela volta para dentro dos meus pulmões novamente quando sinto aqueles braços se prenderem em torno da minha cintura; o calor humano, o cheiro da pele e do corpo, a barba grossa no meu ombro enquanto ele guarda seu rosto da segurança da curvatura.
Aliso seus braços; ele me aperta como se tivesse precisando desse contato. Será que, como eu, ele não aguentava mais de saudade?
Ele inala o perfume na pele do meu pescoço, dispondo beijinhos ao longo do meu ombro.
- Oi... – fecho os olhos, sorrindo, permitindo que minha cabeça caia sobre seu ombro rijo. – Nem te ouvi chegar... Estava brigando com o papagaio – estiquei uma mão para trás, afagando manhosamente a lateral de seu rosto, sentindo os contornos, as diferentes texturas da pele e barba.
Eu parecia estar cercada por nuvens macias, meus pés flutuando longe do chão. Que saudade de sentir seu corpo grudadinho no meu...
Ele continuou muito calado, então me virei, o sorriso perpétuo por ser surpreendida com esse abraço gostoso.
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Pique Al-Qaeda
RomanceEle é uma bomba, um perigo. Ela sabe que não deve se arriscar tão perto, que pode se ferir com uma iminente explosão. Lia tem 19 anos, e uma perda a levou para o morro do Sol. Ajudar a família vem em primeiro lugar, até mesmo antes de seus desejos...