Aron desceu a rua pouco depois, taciturno, transparecendo sua bolação.
Às suas costas, sua tropa.
Olhei para trás dele, cogitando se Yara estaria indo embora também, mas não. Ela ficaria mais, sozinha. Ou esperariam eu estar longe daqui para ela sair? Eu não podia adivinhar a resposta, e entendi que, o que quer que tenha ocorrido lá dentro, não me interessava.
Mas uma coisa era certa: Aron estava muito puto.
Se comunicou com o Doisdê pelo olhar, não sei se agradecendo ou só instruindo ao modo deles.
Comigo nem isso.
Destravou o alarme do carro bonitão e bateu a porta com força. Deduzi ser uma deixa para eu entrar.
- Tchau, Doisdê, me deseje sorte. - sussurrei bem baixinho com os dentes cerrados, puxando a maçaneta da porta do carro sem me desencostar dele ainda, apenas direcionando minha mão pelo tato.
Doisdê fez um gesto vago de cabeça, assentindo.
Aquele pequeno gesto dizia: vai na fé, Deus é bom e o Diabo não presta.
E eu fui, aproveitando meu momento de total destemor e insensibilidade alcoólica.
Escancarei a porta e me sentei no banco.
Não movi o olhar do painel, mas passei o cinto quando a arrancada do carro quase deslocou meu pescoço.
Ele não falou; eu não falei.
O som do motor infiltrava-se entre nós, entre nosso ódio mútuo e nossos pensamentos.
Ele sabia o que eu estava pensando.
Eu sabia o que ele estava pensando.Era mole deduzir: ele não estava feliz com meu comportamento e ia me recriminar novamente, como sempre.
Eu não ia argumentar, tentar me explicar, nem perder meu tempo me justificando.
Quem lhe devia satisfação era a outra.
Gostaria que ele tivesse consultado minha opinião sobre essa carona indesejada antes de eu ser obrigada a estar nesse carro com ele. E ele poderia baixar a temperatura do ar.
- Espero que esteja me levando pra casa... - eu disse, deixando claro que não iria para outro lugar de jeito nenhum.
Meus olhos continuaram no para-brisa, mesmo quando senti o movimento dos seus na minha direção, bem lentamente.
Ele mudou a marcha, me analisando por um tempo.
Parou o carro, tirou o moletom e jogou em meu colo.
Olhei para baixo e, quando fui pegar o moletom, notei que minhas mãos tremiam. Foi um espanto descobrir que meu corpo inteiro estava da mesma forma, sem eu ter percebido antes dele.
- Te falei pra tu vazar, não falei? - havia em sua voz menos fúria do que eu previ, porém, a leve repreensão que também se destacou me fez olha-lo com raiva e ultraje.
Ele já voltou a dirigir, porém, o carro parecia saber o caminho e não dependia do condutor. Aron não estava prestando atenção nenhuma no que fazia e fazia por hábito, olhando alienadamente para frente.
Vesti o moletom mais por uma questão de necessidade do que vontade. O frio parecia estar se difundindo de uma só vez em cada parte de mim.
Senti algo novamente... Uma leve ferroada, depois, um gorgolejar de ódio no coração, antecipando o que ele diria. E acertei na mosca minha previsão. O futuro imediato foram palavras cortantes, se enfiando em meu coração como a ponta afiada de uma lança de gelo.
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Pique Al-Qaeda
RomanceEle é uma bomba, um perigo. Ela sabe que não deve se arriscar tão perto, que pode se ferir com uma iminente explosão. Lia tem 19 anos, e uma perda a levou para o morro do Sol. Ajudar a família vem em primeiro lugar, até mesmo antes de seus desejos...