94 Mesmo ambiente

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O salão era na rua Três Marias, perto da loja da prima da Mel. A Dona chama Verônica, uma mulher madura, sorriso largo e lindos cabelos cacheados. Sua pele cor de chocolate parece de veludo, lustrosa, quase apetitosa — dá vontade de experimentar só para testar se não é mesmo comestível, porque tem uma aparência cremosa e cheia de viço.

Nunca fui tão bem tratada num lugar; nos serviram até cappuccino com biscoitos. A moça, que fez meu pé e minha mão, Andressa, terminou super rápido, elogiando minhas cutículas finas — realmente quase não tenho nada.

Se ela não fosse ruiva, acharia ela parecida com a Fabi. Seu cabelo, a não ser pela cor intensa de ferrugem, tem o mesmo corte com franjinha.

O que será que Fabi achou da cartinha? Será que se emocionou ao ler, como me emocionei a cada letra escrita?

Fabi, Fabi... será sempre insubstituível.

Mel pintou as unhas do pé e da mão de preto, e eu, de branco — as unhas das minhas mãos estão enormes.

Ela entrou para a sala de depilação assim que a mulher finalizou a outra cliente e abriu a porta sanfonada, a convidando e informando que a outra só estava usando o banheiro.

Fiquei no aguardo do lado de fora, sentada de pernas cruzadas no sofá confortável de couro preto, super aristocrático. Na verdade, todo o salão era decorado mantendo um quê de realeza. Peças com características retrô e cores clássicas.

Estava passando meu feed do insta quando ouvi a voz da cliente que vinha saindo da sala de depilação, conversando distraída e animadamente com a depiladora:

- Preciso muito marcar a... - a frase ficou incompleta, pendendo no ar.

Eu soube então que ela tinha me visto.

Ao espiar em sua direção, apreensiva por reconhecer e anteceder o que iria encontrar, nossos olhos colidiram. Ela me rasgou com uma encarada enegrecida de perversidade. As pupilas se expandiram e se destacavam no rosto que começava a ficar descorado.

Balancei meu pé, batendo o chinelo no calcanhar repetidas vezes, aflitivamente. Desgrudei os nossos olhos com algum empenho, voltando a atenção ao meu celular. Mantendo a compostura externa, mas aturdida por dentro, deslizei o dedo na tela, cuidando para não borrar o esmalte, apesar do óleo secante.

O que ela está fazendo justo neste salão?

Constatei, pelo canto do olho, bem disfarçadamente, que ela se despediu com beijos no rosto da depiladora, que entrou e fechou a porta numa puxada gentil, tendo toda privacidade para atender a Melissa.

A designer livre e, certamente, já em seu aguardo, se adiantou até ela e a orientou, um sorriso impessoal, até a cadeira que ela iria se sentar.

Tirando a Louis V original da dobra do braço, recaiu o olhar maligno em mim novamente, de modo crítico e acusatório. Temi secar e me desfazer em farelos ali mesmo, como um objeto de barro. Veio sobre mim uma indisposição imediata, sufocando minha garganta e atiçando meu coração. Pensei em não esperar a Mel mais nem um segundo. Por outro lado, me levantar e ir embora denunciaria minha culpa. Chamaria atenção.

Quieta no meu canto, como uma extensão do sofá, eu esperava sobreviver pelos próximos minutos até, enfim, poder me lançar pela porta em direção a liberdade e o ar puro.

Yara disse bem alto e inexorável, se acomodando na cadeira acolchoada:

- Anda vindo uma gentinha nesse salão, hein, Ivete?

Ivete, totalmente desorientada, sorriu por educação e se enfiou no trabalho de preparar seus instrumentos.

Enquanto ela estava de costas, revirando sua bancada, Yara me encontrou pelo espelho longo em frente a ela, que praticamente circulava metade do salão.

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