Troquei o vestidinho que havia colocado pela camisa dele. Acabamos nos esquecendo desse detalhe depois da transa, mas eu queria que ele me visse dentro dela quando voltasse.
Deitei na cama modesta, na meia luminosidade languida da vela, me cobrindo com uma mantinha que encontrei no mesmo armário de onde ele tirou o lençol. Os tiros eram um lembrete de que minha vida havia sofrido uma transformação severa e inegável. A minha nova reação a tudo isso, era outro.
Me encolhi, formando uma bolinha, autorizando meu pensamento a fluir, sentindo um leve incômodo entre as pernas: a dor do pós sexo. Aron me fez mulher. Era, sem dúvidas, um alfa de verdade. Eu não conseguia fechar o sorriso esfuziante, mesmo estando com um pouco de medo de ficar naquele barraco isolado. O que diminuía as implicações de estar sozinha ali — exatamente o que eu não queria, por isso estava indo para a casa da Mel —, ouvindo barulhos ameaçadores e vendo sombras opressivas dos galhos de uma árvore pela janela, era o fato de a fragrância dele estar no travesseiro, na manta e na blusa dele que eu usava.
Meu estômago sente um leve frescor de excitação com a lembrança recente. Eu e ele. Os tiros. A meia-luz tremeluzente. A sensação é de que não foi real, que nada disso não passa de um sonho, que vou despertar em breve na minha cama.
Suspiro, abraçada a manta fofa.
Me importo muito com ele, Ninja e Bazuca. Isso não diminui o quanto estou me sentindo realizada, até mesmo me achando um pouco transformada. Eu vi estrelas!
O ardor entre minhas pernas afirma que foi real; e agora meu corpo ficou vago sem ele unido a mim.
Foi único, simples e diferente. Depois disso posso dizer que sou uma mulher de verdade. Mais madura, me descobrindo. Dividimos esse segredo que estaria sempre guardado no fundo do meu coração. Conhecemos o corpo do outro mais intimamente agora, e era só o começo.
Passado algum tempo, liguei meu 5g e acessei as redes, em busca de informações — não tinha coragem de mandar mensagem para ele num momento como esse para perguntar, imagina? O homem debaixo dessa tempestade, trocando tiro e eu atormentando?
Só que eu não podia continuar aqui sem saber o que estava acontecendo com eles lá fora ou teria um piripaque. Aliás, como alguém poderia me encontrar para me avisar de algo se ninguém sabia que eu estava aqui? Quer dizer, acho que nem o Ninja sabia com certeza.
E tinha meu pai e avó para eu me importar. As ligações que ouvi eram da Mel, mas não tinha nenhuma do papai. Onde estão não deve ter chegado a notícia do tiroteio no morro ainda. Não sei se a história de que dormi na Melissa iria colar. E se eles fossem atrás de mim na casa dela, pela manhã, quando tudo terminar? Porque vai terminar até o dia clarear, né?
Me dei conta de que eu não fazia ideia...
Será que ele realmente mandaria alguém para me levar antes disso? Eu desconfiava que não... O cara não ia ter nem tempo nem cabeça para se lembrar do meu pedido.
Passei a noite entre cochilos de exaustão, sempre acordando assustada com mais um estouro ou um relâmpago que clareava a janela de vidro transparente, por onde eu só via escuridão e formas de galhos balançando ao vento forte.
A vela, colada na base por sua própria cera sobre o frigobar, cada vez que eu despertava estava menor, escorrendo e se acumulando. O que fez de mim essa pessoa disposta a tudo para estar com um homem? Eu temia passar a noite na minha casinha segura, quente e confortável, e cá estou, ouvindo somente o som da chuva na laje, nas latas lá fora e no vidro das janelas do barraco; o uivo do vento e rajadas intermináveis.
Eu escolhi erguer o pano da janela para poder ver alguma coisa, mas agora a transparência do vidro me incomodava. Também precisava fazer xixi, mas não queria sair do quarto, onde era o lugar mais iluminado da casa, apesar de tudo.
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Pique Al-Qaeda
RomansaEle é uma bomba, um perigo. Ela sabe que não deve se arriscar tão perto, que pode se ferir com uma iminente explosão. Lia tem 19 anos, e uma perda a levou para o morro do Sol. Ajudar a família vem em primeiro lugar, até mesmo antes de seus desejos...