A gente foi de mãos dadas pelo caminho, no carro. Mãos dadas feito namoradinhos mesmo, sabe? Tudo que ele ia fazer, fazia com a mão livre, deixando a outra lá, todinha para mim, como se fosse parte de mim. E era, na verdade. Eu me sentia uma parte dele já, e queria ter algo dele enraizado em mim e no meu corpo.
Apesar da nossa briga horrenda, eu sabia que tudo não passou de ego ferido, ciúme, mágoa e que nossas palavras feias foram da boca pra fora. Ele não era aquilo que se transformava num momento em que sentia que precisava se defender. Era mais. Era o homem que a cada segundo que passava, me ensinava um pouco sobre o que significa a palavra "admiração".
Eu o admirava. E ficava olhando assim pra ele... enquanto ele dirigia - às vezes precisava soltar minha mão pra exercer seu domínio sobre os caras, no rádio transmissor. Tinha sempre a voz severa nesses momentos, uma pose de homem comandante, capitão. Até que numa dessas vezes, enquanto ele ainda falava no rádio, relanceou os olhos e me flagrou o contemplando. Eu esperava uma repreensão ou algo assim, porque, quando se está ao lado de um homem concentrado em ser um líder truculento, a gente só espera que aquilo recaia em nós também. Não gostei nada da ínfima fatia do Alcaida bronco que conheci hoje. Só que, a oposto disso, ele simplesmente se desmanchou num sorriso encabulado que me alvejou, só para no segundo que se seguiu, me encher com o sopro da vida.
O sorriso dele era um raio de sol em meio as trevas que sempre o embrulhavam como neném numa manta. Fiquei até poética depois que o conheci... logo eu, que só sei brincar com tudo e fazer de tudo uma anedota.
A paixão parecia uma música melodramática daquelas cenas clichês de filme. Ou uma ópera. Ou pior, um coral de igreja.
Era assim que eu me sentia: embalada por vozes doces de um coral. E anjos. Muitos anjos.
Amanhã, eu acordaria e me arrependeria de ter topado dormir com ele sabendo que sua mulher grávida estava " surtando" em casa sozinha. Deus, eu iria me odiar muito por isso. Mas hoje, estava sob efeitos desse estimulante poderoso que é a paixão. Nenhum outro sentido ou órgão do meu corpo, além do coração, funcionava bem. Era pior que hipnose, pior que maconha (mesmo eu nunca tendo usado, vejo como Fabi fica lesadona), pior que anestesia. A paixão era muito mais prejudicial do que eu poderia supor. A subestimei muitas vezes, julguei que poderia ser forte. Certamente isso durou somente até eu ver que tinha o machucado com minhas palavras e que ele me odiaria de verdade pelo resto da vida. Se eu não tivesse conseguido reverter a situação, como estaríamos agora? E o Jc? E a Fabi?
Provavelmente, eu estaria me contorcendo em cólicas de arrependimento por todos.
Errei e continuo agindo errado dia após dia. Talvez por eu sempre ter conseguido o que queria de alguma forma, esteja sendo uma mimada, pensando somente em mim? Pode ser. Não vou fingir que não.
Chegamos numa casa simples, cercada por um muro tão simples quanto e um portão de grades. O exército dele circulou logo, fechando a rua de ponta a ponta. Creio que não gastaram cinco segundos para fazerem isso. Às vezes eu ficava mortificada com a dinâmica da eficiência deles, me perguntando se não eram robôs que seguravam outras máquinas mortais. Eles pareciam aqueles guardas reais, que mal podiam respirar, mover o olhar ou muito menos sorrir.
Eram, certamente, dispostos a dar a vida na batalha pela vida que tinham que guardar, no caso, a do Aron e... pensei também: a minha.
Ele deixou o carro na rua. Fiquei envergonhada de descer e ser vista. Ele não percebeu, mas acho que confia naqueles caras que andam colados nele o tempo todo. Devem ser discretos. Afinal, quantas vezes já não me viram com ele? Ou outras, sem ser eu?
Ele me esperou no outro lado do carro e me perscrutou demoradamente enquanto eu puxava meus cabelos volumosos e brilhosos pro lado, deixando-os em cascata por cima do ombro. O mirei timidamente, alcançando a mão que ele estendeu. Ele sorriu, e, ali, perto dos caras, no meio da rua, me rebocou para si e me cobriu com seus braços de troncos de árvore.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Pique Al-Qaeda
RomanceEle é uma bomba, um perigo. Ela sabe que não deve se arriscar tão perto, que pode se ferir com uma iminente explosão. Lia tem 19 anos, e uma perda a levou para o morro do Sol. Ajudar a família vem em primeiro lugar, até mesmo antes de seus desejos...