101 Dorme tranquila.

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- Eu já disse a você quais as minhas condições. Enquanto você não me mostrar que vale a pena, não posso continuar nessa - observei o ferimento superficial em sua mão.

Ele também verificou demoradamente o sangue que emanava do corte raso, contornando o ferimento com o indicador da mão saudável, pesarosamente.

- Eu peguei a visão, Lia... Vou nessa meta ai.

Não resisti ao compadecimento de ver ele ferido, sentindo dor, por menor que fosse. O amo a ponto de desejar ser eu a estar cortada. Não havia percebido o tamanho desse sentimento que inchou no meu peito quase instantaneamente quando o conheci. Posso estar magoada agora, e resolvida quanto a sacrificar o desejo físico momentâneo que sinto por ele em prol de algo maior a longo prazo, mas a percepção desse sentimento é quase física.

É como se meu coração não tivesse tido escolha; o amor simplesmente o invadiu como um sem teto determinado, tomando posse de todos os cômodos.

Quando se ama alguém, a gente não se contém perante ao sofrimento do objeto de seu amor. O arroubo do querer amenizar a dor do outro, é infreável. Portanto, levei meus dedos ao punho fechado que ele mantinha bem apertado branqueando os nós.

Contornei o corte, assegurando certo distanciamento do sangue fresco.

Não queria continuar sendo tão severa com ele; por outro lado, não podia ser fraca, ou jamais sairíamos do lugar em que estávamos.

Retirei a mão lentamente. Via-se nitidamente que eu ainda tiritava muito. Atribuí isso em parte ao álcool, em parte ao resto - mas também não podia negar que um pouco se devia a estar pertinho dele.

Ele seguiu o percurso reverso que meu dedo fez no ar, seus olhos estacionando por último em meu rosto.

Devo ter deixado alguma contração fácil revelar meus pensamentos: recentes lembranças do que houve no carro.

Me retrai, guardando as mãos entre as pernas apertadas. Sentia o gosto de bebida na boca, embora seu efeito estivesse esvanecendo gradualmente e me deixando sem nenhuma proteção.

Me retesei mais.

Ele se ligou.

Se virou medianamente na cama em minha direção, cauteloso. Subiu a mão boa até minha bochecha, seu toque tão acetinado quanto a pétala de uma flor.

Não suportei mais encara-lo.

Me sentia frágil perto dele e de sua mão de pedra. Ele destruiu aquele vidro num golpe que era para mim.

Sua mão recuou como que sentindo o frio subjacente na minha pele, o que era uma forma de expressão do meu corpo em relação aos últimos acontecimentos.

- É uma merda esse meu lado... - esperou as palavras se assentarem entre nós e acrescentou: - Não queria que tu me visse daquela forma... Sempre tentei te mostrar meu melhor exatamente pra não te assustar. Desde que te vi atrás daquele caixa - um sorriso espreitou no canto de sua boca com a lembrança, notei, num olhar coibido. Suas pupilas exibiam um brilho de sincera devoção. - Desde que pus meus olhos em você, Talia, eu soube que tu tinha algo excêntrico. Não poderia jamais te espantar... É como quando uma borboleta pousa no teu ombro, que tu tem medo de qualquer movimento brusco fazer ela voar pra longe... Fui o menos pior que pude na sua frente, mas não tenho quase nada de bom, então mais cedo ou mais tarde eu ia vacilar. Já você...

O dorso do indicador retornou ao meu rosto, incerto, acariciando como se eu fosse sagrada.

- Você parece o sol. Aquece o ambiente... É tinhosa, me deixa de cabeça quente... - seus lábios formaram um risco carinhoso virado para cima, os olhos em estado de encantamento.- Mas ilumina.

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