Pique Al-Qaeda

59 - Capítulo especial

* CAPITULO ESPECIAL*

(Esse capítulo se passa assim que Alcaida sai da mercearia, após ir ver a Lia na quinta-feira, dia 30 de junho de 2022, véspera de feriado.)

O Mercedes Benz blindado sobe vagarosamente o morro do sol sem impedimentos, como de costume.

Os vidros fechados guardam a identidade do motorista particular, em seu uniforme preto, e da madame elegante sentada com esguiez e graça no banco de trás. No colo dela, uma exclusiva bolsa Hermès Paris de couro. Somente ela e mais cinco sortudas possuem tal raridade no mundo todo. Seu Cartier marca a hora de sua chegada inesperada. Dessa vez, por se tratar de uma eventualidade, não avisou antecipadamente sobre sua... "visitinha".

Com desdém, olha pelo vidro escuro de sua janela, sabendo que nada se vê no interior do carro. Pensa ela: "esses imundos já conhecem a placa. Não sabem quem está aqui dentro, e santo Deus, seria um escândalo se soubessem!"

Ela sempre se arriscou muito nesses encontros, mas sente que cada um deles vale a pena. Se aguenta a vida tediosa que leva é por saber que em algum momento terá sua dose de adrenalina aplicada nas veias. Ela sorri ao retirar o iPhone 13, 14, 15? Ela nem sabe, só manda comprar o que foi lançado por último no mercado.

Digita o número novo, que já decorou de tanto passar horas olhando para ele na tela de seu celular, durante seus longos banhos de banheira. Muitas vezes imagina o que ele está fazendo e, com ódio, cogita com quem. É apaixonada há muitos anos por cada detalhe daquele corpo e rosto. E hoje, em especial, veio com o modo leoa ativado. E querendo sexo também, claro, já que nunca se cansa de seu touro jovem e viril, mas, além disso, tem assuntos sérios a tratar ou não teria subido neste horário perigoso. Costuma vir ao morro sempre com um carro alugado para não chamar atenção. Aluga em todas às vezes esse mesmo Mercedes, no mesmo lugar e com a mesma placa, para facilitar que esses subalternos decorem e não cometam erros, como para-la, por exemplo, como já aconteceu. Ela vem em horários tardios, depois da meia-noite. Não vai arriscar ser reconhecida. Hoje, no entanto, não pode esperar nem mais um minuto. Quem dera tivesse relação somente com sua saudade angustiante...

Ela precisa proteger seu amor. Precisa avisá-lo do perigo e descobrir porque ele anda ignorando suas mensagens e ligações.

Mais uma vez, ele não a atende de primeira. Enquanto ruma para o local que usam normalmente pra ficarem juntos por algumas horas semanais, sendo observada pelos homens dele - que não pararam aquele carro em específico por ordens do chefe -, ela tenta novamente um contato para avisar de sua chegada.

Enquanto chama, ela mergulha os pés impecáveis no par de sapatos de bico fino envernizado da marca Valentino, que custaram uma fortuna. Confere, insegura como uma jovenzinha, a combinação de calça nude pantalona com cinto fino da Gucci - que deve valer mais do que todos os bens do menino que vê segurando um fuzil -, com a blusa de mangas transparente. Vendo aquele moleque lá fora, corajoso desde tão novo, se lembra do jovem Aron, aquele que conheceu antes de ele se tornar o homem que a enlouquece hoje em dia. O que já não fez por ele? E mais, o que ainda não seria capaz de fazer?

Ela não consegue pensar em nada. Não há nada que ela não faria!

Ele finalmente atende, de má vontade, grosso como ela ama e odeia. Ama porque adora esse jeito machão que ele desenvolveu. Odeia porque sente que tem algo fazendo a mente dele contra ela ultimamente. Ela já imagina quem, e aperta forte o celular, destroçando a garota em sua imaginação. Sorri e fala num tom apaixonado, pois qualquer atenção vinda dele é melhor que nada. Melhor que o desprezo dos últimos dias, o que quase a levou à decadência total!

Ela sentiu vontade de mata-lo antes que o perdesse de vez, mas sabe que isso é impossível. Há muitos anos ele está em suas mãos, ela quem o colocou nesse lugar e o salvou diversas vezes. Ele depende dela para sempre. O laço que os une é indestrutível. Ninguém pode tirá-lo dela. Ele nunca poderá afasta-la de sua vida, e isso a faz se sentir em paz.