84 Movimentação suspeita

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Assim que as cinco e meia chegou, avisei a Mel que iria recolher as roupas e subir.

- Se for dormir aqui mesmo, traz aquele baralho pra gente jogar. - ela pediu numa mensagem.

Ela e o pai eram ótimos num jogo chamado mal-mal que me ensinaram, em que o vencedor é o jogador que acaba com todas suas cartas.

Seu Feliciano é um senhor magrinho, curvado e grisalho que ama incondicionalmente a filha. Se pudesse, dava seu coração a ela. Mas não pode, porque, além de não ser necessário - graças a Deus -, se ele se for, Mel corre sérios riscos de cair de cama e nunca se recuperar.

Eu considerava que eu e meu pai eramos grudados, até passar algumas horas na casa da Mel e ver como era a relação dela e do pai.

Seu Feliciano limpa a casa, lava roupas, faz comida e serve o prato nas mãos da Mel TODO SANTO DIA.

Ele se despede dela sempre com um olhar de cão abandonado. Aquele olhar azul-céu que eu acho lindo no rosto claro e barbudo. Em compensação, Melzinha o ajuda financeiramente, paga as contas da casa, corta o cabelo dele, unhas, faz sua barba, passa suas camisas e só sai de casa à noite após ele dormir e ela o cobrir com uma manta. Os dois se amam e se cuidam. Moram sozinhos e sua casa, apesar de humilde, é muito bem cuidada. O quarto da Mel é rosa, mas não poderia ser diferente. Ela ama rosa e tudo seu é o mais feminino possível. É uma verdadeira Barbie viva.

É impressionante como parece que somos amigas há anos!

Eu adoro o pai dela, e ele sempre me recebe muito bem. Mel disse que ele me adora também, mas não é de falar muito, então nunca me disse pessoalmente. Meu pai e a vovó, confiam mais nela do que confiavam na Fabi. Me deixam sair com ela para bares, sem muitos questionamentos. Deve ser porque Mel só trabalha e cuida do pai, não curte muito ficar indo pra bailes ou festas todo final de semana. Ela também é mais " comportada" que a Fabi, menos maluquinha e mais parecida comigo.

Subo para o terraço durante uma chamada de vídeo com a mamãe.

- Vou pôr o cel aqui porque vou recolher roupa da corda. Parece que vai cair o maior pé d'agua. - conto a ela, mostrando brevemente o tempo feio que se formou.

- Ixi... toma cuidado, filha. Recolhe ai rapidinho e corre pra casa da tua amiga, melhor do que ficar ai sozinha. A senhorita morre de medo de trovão, que eu sei. - ela ri, dirigindo de volta da prefeitura com seu terninho cinza chumbo.

Deixo o celular sobre o parapeito, escorado num ferro que sustenta a frágil cobertura do nosso terraço. Minha avó tem medo que a chuva venha acompanhada de ventania e molhe suas imaculadas roupas mesmo elas não estando em tempo aberto. Aqui em cima, ficam algumas bugigangas velhas guardadas no quartinho ali do canto, fechado a chave. Como uma bicicleta que foi do meu pai e que minha avó não se desfaz de forma alguma.

- E a Fabi, ainda na mesma? - mamãe pergunta, buzinando para algum motorista retardado, como ela costuma os xingar.

- Sim... nada mudou. - digo alto para ela ouvir, recolhendo umas calças do meu pai e minhas meias. - Desde o dia lá do bar nunca mais a vi. Fico preocupada com ela, mãe. Será que é grave o que ela tem medo de me contar? Não entendo a Fabiana... queria ir lá tentar conversar, mas a conheço e ela vai continuar me tratando mal.

- Melhor esperar até a raiva de vocês duas passar. Você tem todo direito de se chatear por ela não contar nada pessoal; amizade deve ser uma troca. Mas se é algo que ela não consegue falar, quem sabe o tempo ajude... Adoro a Fabi, se ele precisar de mim para qualquer coisa estarei disponível. Assim como sei que você também. Por isso te amo tanto. - ela entorta a cabeça de lado, sorrindo como sorrimos para uma foto.

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