82 - Filho branco

445 30 0
                                    

Antes:
Personagem tal,

Entro na lanchonete e me sento diante do homem de terno e gravata que não faz questão de se levantar para um cumprimento decente.

- Boa tarde.

- Boa tarde. - ele é de poucas palavras, um sujeito sério. - Meu cliente pede desculpas, mas aquele número que você usou não deve ser usado novamente. Toda comunicação deve passar por mim antes. Quem te deu aquele contato deveria ter te explicado que quando se está sob a tutela do estado em regime de....

- Ok, entendido. Só preciso que entregue essa carta a ele. - olhando para os lados, passo o papel por baixo da mesa.

- Do que se trata? - ele enfia a folha dobrada por dentro do terno.

- É sobre uma pessoa em quem ele tanto confia. - diminuo o tom. Os olhos do advogado brilham de entusiasmo pela fofoca. - E que está planejando se virar contra ele, roubar tudo que ele demorou tanto para conquistar.

O advogado reflete um segundo, demonstrando aceitar a informação como sendo valiosa.

- Qual seu preço? - pergunta sem rodeios, secando o suor de sua cara gorda.

- Isso o Sapão quem vai determinar.

- Shiiiii! - ele verifica por cima dos seus ombros, assustado por eu dizer o nome. - Não mencione o nome do meu cliente. - afrouxa a gravata que envolve seu pescoço cheio de banha. - A carta chegará até ele, garanto. Aguarde contato que se for do interesse dele, ele mesmo te liga. - raspa a garganta, tomando um novo gole de seu café. Após pousar a xícara, seca a boca com um guardanapo. - Imagino que todas as explicações sobre tal informação estão descritas nesta carta.

- Tudo que eu sei coloquei ai. Nomes, tudo. Vem cá... tem muitos anos que você trabalha pra ele?

- Só quinze. - responde pomposo, meio ofendido pela inquisição. - Por quê a curiosidade?

- Aron sabe a verdade sobre quem é o seu cliente?

O advogado parece perder o ar, ficando vermelho.

- Não me intrometo nos assuntos particulares dele, tampouco divulgo sua intimidade. Eu tenho amor a minha vida.

- Sei... tudo bem. Isso é tudo, vou indo. - me levanto, mas ele me chama.

Me volto novamente para esse gordo careca, a contragosto. Não passa nenhuma credibilidade como advogado, mas é um ótimo bisbilhoteiro.

- Eu gostaria... na verdade, meu cliente gostaria de saber por que você está fazendo isso.

- É simples: não acho justo que o próprio filho o apunhale pelas costas.

O advogado fica branco.

- ma-ma-mas isso é-é...

- Eu já sei que seu cliente é o pai biológico do Alcaida. Sei que quando engravidou a Isabel aos quinze anos, seu cliente era casado e que a esposa dele também estava grávida. Aron nasceu saudável e branco como a mãe e toda sua descendência, mas a filha da outra, nasceu morta. A mulher do Sapão entrou em depressão, em função disso, ele nunca assumiu realmente o filho bastardo. Sequer registrou. Tudo para não magoar a amada, que mesmo assim se suicidou com remédios no começo dos anos 1992. Isabel já estava morando com outro homem quando seu cliente, anos mais tarde, foi atrás dela para fazer o dna do menino branco que ele duvidava ser seu. Deu positivo, mas Isabel não queria mais que o seu cliente se aproximasse do menino. Ela tinha uma família agora, estava grávida novamente de outro homem e Sapão era bandido. Na favela em que moravam havia muita fofoca, era melhor evitar problemas com o marido. Afinal, não foi o que Sapão fez quando ela precisou dele? - apoio as mãos na mesa, desafiando o advogado obeso a me desmentir. - Eu sei de tudo isso porque a pessoa que me contou mantém contato com seu cliente. Eu sei de tudo isso e mais um pouco.

- O-olha e-e-eu...

- Avisa pro seu cliente que estou esperando a ligação dele - bato a mão em seu ombro e me retiro, sem paciência para esperar ele parar de gaguejar e me responder.

****

Atualmente:

- Alô. - atendo a ligação privada.

- Salve! Sou eu... Tranquilo?

- Edgar... que prazer falar com você novamente.

- Jae, jae... o tempo aqui tá limitado. Seguinte: recebi tua carta.

- Sim... E aí? O que me diz?

- Preciso de uma demonstração de boa fé tua. A minha você já teve: não te aconteceu nem um mal ainda.

- O que precisa?

- Que você me explique que papo é esse. Aron é meu moleque de confiança e tu afirma que ele tá de trairagem comigo. Na moral, não tô entendendo. E já aviso: meu papo não tem curva, espero que o seu também não. Mas se for caô da tua parte é tua cabeça que vai cair. Eu tô velho, cansado, só quero tirar o resto dos dias que ainda tenho em paz, porque daqui a pouco eu tô na pista de novo e vou querer encontrar minhas bocas como deixei ao cair aqui, há anos atrás. Pelo que li na tua carta não é o que vai acontecer... Me conta uma história.

- Se você conseguir sair vivo dai, não vai encontrar muita coisa aqui fora.

Ele aumenta o tom de voz.

- Não tô gostando do teu papo. Faz eu te entender.

- Em resumo, Sapão, teu único filho, o único que te restou e que ninguém sabe que é teu, que tem toda moral contigo e goza da sua total confiança, está na intenção de tomar seu lugar. Ele planeja te matar e dominar uma por uma das suas favelas. Você sempre deu moral a ele e ninguém entendia porquê. Ele sempre mostrou lealdade ao pai sem de fato saber que o sangue que corre nas veias de vocês é o mesmo. Mas algo mudou... A ambição subiu a cabeça dele.

Seu silêncio se estende por um momento. Enfim, sua voz ressoa abatida no celular:

- Tem como provar o que tá dizendo?

- Claro. Eu tenho tudo gravado.

Pique Al-Qaeda Onde histórias criam vida. Descubra agora