103 Pra caralho!

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Ele apontou na cozinha, altura mediana, mas corpulento, com aquele olhar que faziam todos perderem as palavras quando o encontravam. Ela temia tanto pela neta... Ele a trataria bem? A machucaria emocionalmente, isso ela já sabia e detestava ter de permitir, mas e fisicamente?

Ele realmente a amava?
Ela, de repente, se viu insegura quanto as suas percepções.

Ele a prescrutou, aparentemente bem mais calmo que antes, embora ainda a deixasse desconfortável e cautelosa.

- Ela acabou dormindo. - falou, a voz profunda, porém, baixa. - Tem remédio pra ressaca ai, analgésico, essas paradas?

Ela notou que seu boné estava ao contrário na cabeça, sua camisa mais amarrotada do que quando subiu e, principalmente, que ele estava preocupado com a menina. Ele ganhou um por cento de seu coração com aquela demonstração.

- Tem, sim. - ela se ouviu respondendo educadamente.

- Então, tenha uma boa noite. - fez com a cabeça, se despedindo. Lembrou-se de algo antes de se virar para a saída e emendou: - E vê se não fala mais nada sobre aquele bagulho de mandar ela embora, hein, dona Betina. Ela vai acordar com amnesia do álcool, vai nem lembrar que a senhora deu esse papo torto ai.

- Tudo bem. Mas, Aron, gostaria de te pedir que se tem consideração por mim, não desonre mais minha neta. - não temia ele a ponto de não falar o que vinha atormentando sua cabeça. - Ela gosta muito de você. É decidida, sempre foi, mas ultimamente tenho notado que ela não consegue se conter nem um pouquinho. É uma menina com só vinte anos, apaixonada pela primeira vez, e você, sabemos, é um homem que conhece o pior e o melhor da vida, do ser humano. Inteligente, coerente... - clareou a garganta, sabendo estar tocando em assuntos delicados que não diziam respeito a ela, mas, por sua neta, arriscou: - Você tem uma ex prestes a sair da prisão, uma mulher grávida em casa... A Lia não tem lugar nessa história.

- É claro que ela tem lugar! - ele exclamou, aparentemente irritado. - Ninguém tem mais lugar que ela. - atravessou um braço por cima do outro sobre o peitoral, a olhando por cima do nariz de modo sério e transparente. - Eu sei o que a senhora deve pensar, dona Betina. Eu no teu lugar pensaria o mesmo. Mas vou te dar um papo, preciso que a senhora preste bastante atenção: A Yara tá comigo pelos interesses dela, que eu sempre conheci bem, e eu, estou com ela, pelos meus. Passei a visão de tudo isso pra tua neta. Pode ficar em paz que a Lia não tá destruindo nenhum relacionamento feliz, não. Pelo contrário, eu até então não sabia o que era me sentir verdadeiramente feliz.

Não foi preciso ele dizer com mais exatidão, ela viu em seus olhos de areia de rio, bem mais brilhantes do que quando ele desceu do carro, que a relação de sua neta com tal felicidade era praticamente total. Ela era a causadora. Como não seria? A menina era uma força natural, uma maré de empolgação jovial e apreço pelas coisas simples da vida, de modo que contagiava a todos com seu carisma e seu jeito carinhoso, totalmente genuíno.

Ela se via refletida na energia e vigor da neta; mas algo a preocupava. Como ela, a menina gostava de conhecer pessoas, conversar sem parar, passear e ser livre. Ele saberia lidar com isso e dividir a Lia com outras pessoas e com os próprios desejos dela?

Apesar de achar que não, o que ele disse ganhou outra fatia do coração da pobre avó, que se sentiu aliviada e apertou o peito com a mão, sorrindo sem nada dizer.

- Tô ligado que ela te conta tudo... A senhora deve achar que tô de caô e pá, mas te dou minha palavra que o que me prendia a Yara agora não prende mais. Hoje não me sinto mais obrigado a estar com ela. Vamos ter um filho, que será amado, terá minha presença, todo conforto do mundo, mas ela não é mais minha mulher a partir de hoje. Tô saindo daqui direto pra casa dela pra agilizar essa parada.

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