76 Sinistro

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- A senhora é ainda mais linda, dona Helena. Prazer é todo meu. - devolvo o elogio, deixando minhas dúvidas em segundo plano. Eu tenho que ser cortês com todos aqui.

- Ah, por favor, me chame de você. Sei que tem metade da minha idade, mas não gosto de me sentir uma idosa. - ela sorri, e me olha como se estudasse meus traços, meu corpo. - Seu pai me falou de você, me disse que era a garota mais linda do mundo. Ah... Ouvi tanto ao seu respeito!

- Ele sempre exagera. - brinco, procurando por ele com os olhos. Não o vejo em nenhum canto.

- Eu não acho... ele foi justo, você é o tipo de menina que encanta qualquer homem, não é? Tem namorado?

Eu sinto que coro, me lembrando de um homem específico, o que mais me importa e de quem sinto saudade o tempo todo.

- Não... - digo, embaraçada.

- Deve ter muitos, seja sincera. - ela para um garçom e pega de sua bandeja uma taça de Martini com uma azeitona flutuante.

Também, de novo, troco minha taça vazia pela cheia, pensando na palavra " namorado".

Se eu continuar presa ao Aron, nunca terei um namorado de verdade. Não vejo ele saindo por ai comigo de mãos dadas, indo ao cinema, me apresentando as pessoas.

- Na verdade, não tenho nenhum. - digo, depois bico a bebida geladinha.

- Mesmo? Mas deve ter umas paqueras, uns pretendentes gatos. - ela tenta parecer descontraída, mas começo a achar seu interesse na minha vida pessoal um pouco exagerado.

Mesmo assim, explico:

- Eu estou apaixonada, mas não deu certo...

Noto alguma mudança em seu olhar, mas não sei bem o quê.

- Interessante... A paixão é algo interessante, menina. Acredito que seja um sentimento recíproco. - puxa fumaça do cigarro, sem tirar os olhos de mim.

Sacudo os ombros.

- Acho que não... mas tudo bem, porque não temos nada mesmo. Não foi pra frente. - evito mencionar os motivos por trás de tudo.

Bem que eu queria desabafar... quem sabe uma mulher mais experiente pudesse me dar uns bons conselhos? Mas não tenho coragem de contar que fui amante. Ainda mais para uma dama tão culta e aparentemente importante.

- Mas certamente você quem não quis o coitado. - ela gargalha, uma gargalhada estranha, sem graça. Sorrio para ser cordial. - Uma princesa assim jamais levaria um fora, não é? Ah, meus poucos anos... Eu era uma diva na sua idade. Os homens sempre se rendiam aos meus encantos. - ela vagueia a taça, romântica.

- Digamos que os dois sabem que é melhor assim. Envolve muita coisa... mas eu adoraria ter um namorado de verdade... - assumo com pesar, olhando para a taça em minha mão. - Coisa que para ele é impossível no momento.

Agora que ela mencionou, notei o tamanho do meu desejo de ser única na vida de alguém. Ter uma pessoa que me ama, cuida de mim e que faça coisas normais que casais normais fazem. Só que não quero qualquer um nesse papel, eu quero ELE. Nada mais nada menos.

Eu quero aquele que é proibido.

- Acho que esse homem deve ser mais velho que você, ou estou errada?

Olho assustada para ela, envergonhada.

- Não se assuste. Não estou te julgando. - ela sorri, e eu meio que relaxo, embora seus olhos azuis sejam muito tempestuosos. - Só penso que você merece alguém que possa realizar seu sonho. Um homem da sua idade. - quando essa última parte é verbalizada, sinto uma necessidade grande de tomar mais champanhe. É como se ela soubesse muito mais de mim do que parece.

- Podemos tirar uma foto juntas? - acena para um garçom. - Poste no seu story, mostre que está bem. Ficarei lisonjeada.

Eu aceito, e entrego meu celular pro mocinho bater a foto. Me coloco ao lado dela, me sentindo inferior mesmo sem saber o que ela é. Sei que é algo grande.

Sorrio forçado, ela também sorri, a mão no meu ombro, e o homem nos clica.

A foto ficou boa, mas óbvio que ela tem mais carão de mulher que eu.

Peço o Instagram dela para marca-la, mas ela diz não usar redes sociais. Pede que eu poste a foto como uma recordação especial. Algo que meu pretendente possa ver e que vá incomodá-lo. Não faz muito sentido, no entanto... faz. Ela acha que ele precisa me ver bem para me querer. Deve ser por ela não ter a mínima ideia do tanto de obstáculos que bloqueiam nosso caminho.

Conversamos mais amenidades e, no fim, acabo gostando dela. Acho que sua pose assusta, mas ela é boa gente, inteligente e descontraída.

Quando meu pai me chama para ir embora, ela troca beijos no rosto com nós dois e descemos de elevador. O valet traz o carro do papai.

Tomamos o caminho de casa, enquanto isso edito e posto a foto que tiramos. Avalio aquela mulher, e pergunto ao meu pai o que ela faz.
Tem que ser um cargo bem superior.

- Quem? Aquela senhora que estava conversando com você? Nunca vi aquela mulher na vida, filha. Não faço ideia de quem seja. Por quê?

Meu coração tropeça umas duas batidas; meu corpo endurece inteiro.

Num lugar recluso de minhas lembranças, ecoa a voz marcante daquela senhora pronunciando o nome do meu pai, mencionando minha mãe e praticamente deduzindo coisas sobre mim.

Meu pai continua tentando olhar para o meu rosto talvez lívido, ao invés de prestar atenção no caminho. Não vai fazer bem a ele se eu contar o que ela me disse, o tom de voz que usou, as perguntas duvidosas que fez... não posso preocupa-lo com a minha neura. A mulher pode ser esposa de algum vereador ou deputado que ele conversou e nem se lembra.

- Nada, pai... você deve ter se esquecido do rosto dela. - brinco. Ou penso que minha voz soa cômica, mas dá para ver na cara confusa do meu pai que ele não embarcou nessa.

- Eu não esqueceria o rosto daquela mulher se tivesse o visto algum dia, Talia. - quando penso em reprimir essa declaração, ele já está acrescentando: - O poder está entranhado no olhar azul, no rosto de burguesa. Ela deve ser alguém muito influente, mas não... não me lembro de tê-la conhecido de forma alguma. Jamais fomos apresentados.

Então como caralhos ela sabia seu nome e falou de mim como se me conhecesse?

Meus nervos queimam, assim como minhas entranhas.

Eu vi nos olhos dela... agora sim, sei o que haviam neles. Na hora eu não soube definir, agora compreendo. Era astúcia, algo como uma ameaça, um aviso. Mas, por quê?

Eu sempre pensei que a carreira política acaba envolvendo toda a família do candidato... estou certa. Deve ser algum rolo dos meus pais e eles nem fazem ideia. Ai, meu Deus.

Meu celular começa a vibrar como uma mosca presa num pote, zunindo na minha mão. Esquecido devido aos meus mais sinistros pensamentos.

O nome mal tem tempo de surgir na tela, e eu deslizo o polegar para declinar a chamada.

Pelo canto do olho, vejo que meu pai parece estar revisitando suas memórias para ter ainda mais certeza de que não foi mesmo apresentado àquela dama.

Recuso outra chamada do Aron enquanto entro no whatsapp. Abro sua conversa, tomando a precaução de manter meus atos longe da visão do meu pai. Digito uma mensagem avisando que não posso atender agora porque meu pai está ao meu lado, no carro. Que estamos indo para casa.

O que ele pode querer comigo às dez para meia noite de tão importante para estar ligando?

Assim que a resposta chega, a coisa toda, que eu pensei que já era bem sinistra, fica ainda mais:

" De onde tu conhece essa mulher da foto? "

Ai minha nossa Senhora... que cacete de mulher era essa?

" Não conhecia, conheci hoje. Por quê? ", envio.

" Quando chegar em casa me avisa, preciso falar com vc"

Essa mensagem gira e gira na minha mente por todo restante do percurso.

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