85 No fundo da alma

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- AAAAAHHH, MEU DEUS! - cubro meus ouvidos, tremendo, berrando de medo.

- VAI, VAI, VAI, RAPAZIADA! BORA LARGAR O AÇO NESSA PORRA! Sustenta, bora! - Esse cara narigudo da a ordem pros outros, que sobem nas motos em pares, falando coisas, empunhando as armas.

Todos descem a rua, mas esse sujeito parece estar ouvindo algo no ponto. Uma moto, com aquele primeiro carinha que vi de piloto, o espera.

O narigudo, que parece apressado para sair daqui, responde:

- Não sei quem é, não, chefe. Foi o Maluco que te avisou? Ele já se adiantou, só tem eu e mais um aqui. E a mina.

Esse outro carinha de cabelo tingido de vermelho vivo, lá na moto, responde no ponto:

- É a mina da mercearia, patrão. Ela tava subindo pra ir na casa da colega... - se interrompe e ouve. - Certo.

O de cabelo vermelho chama o altão e manda ele tomar seu lugar na moto.

- Vai indo. Chefe me deu a missão de levar a mina. - ele faz com a cabeça pro altão ir, e este não perde mais tempo, some pela rua com a moto.

- Vem comigo, é...

- Ta-talia, moço.... Talia. - respondo, pisando em falso nas palavras devido à adrenalina alta. Ele tem tanta calma no semblante, mesmo que os tiros estejam estourando em algum lugar perto demais para o meu gosto.

Ele puxa meu braço para me fazer ser mais ágil e tomamos uma viela. Não há ninguém no caminho e agora o que era chuvisco, parece mais um dilúvio intenso, molhando a mim e ao...

- Meu nome é Tiago, mas me chamam de Jacaré. - ele conta educadamente enquanto me leva adiante. Só então percebo o tamanho do jacaré que ele tem tatuado no antebraço direito. Ele é morenhinho, pouco mais alto que eu, e como os outros, traz consigo seu kit de guerra: fuzil, comunicador, mochila, munição, pistola na cintura e colete.

Ele nos enfia sob um telhado de amianto de um estabelecimento, lugar barulhento. Me encosta contra a parede, parecendo ter a intenção de me fazer reagir. Será que estou travada? Não consigo mexer a mão direito, sinto as pernas duras e meu corpo está inteiro vibrando como se eu tivesse tendo um terremoto interno.

Os tiros parecem tão perto agora... Há tantos gritos vindos de algum canto, em meio ao barulho alto da chuva batendo no amianto.

- O chefe me mandou te levar pra um barraco ou pra casa, só que não vai dar pra ir pra tua casa agora; aquele lado tá lombrado e a gente pode levar caroçada nos corneos. - ele fala junto ao meu rosto, sacudindo meu braço como se eu fosse retardada.

Aqui, debaixo desse telhado, está escuro, mas ao lado tem um poste. Vejo através de sua luz as gostas de água desmoronando em corrente no chão. Sinto algumas no meu rosto, só que essas são quentes.

- Tá me ouvindo, garota? - quando recebo outra chacoalhada do Jacaré, me situo e percebo que meus olhos estão arregalados, e essa água quente em meu rosto, são lagrimas de pavor.

- A gente vai precisar correr, jaé? - ele pergunta, me olhando nos olhos, como que para me fazer entender a gravidade.

Sinto minhas pernas duras.
Não vou conseguir...

Meu rosto se desfaz numa careta enquanto perco a força dos joelhos, cedendo gradativamente ao ataque emocional.

- Não, não, não, não! Tu não pode desmaiar agora, mina! Porra! Por que o chefe me mandou cuidar de tu, caralho? Porra, viado! - ele me segura com uma mão, passando a outra na cabeleira vermelha curtinha.

- Na-não consigo anda-dar... - gaguejo, a descarga de terror descendo sobre mim. Cubro meus ouvidos e escorrego um pouco na parede. Aperto os olhos. Nunca senti tanto medo.

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