93 Leve o tempo que precisar

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Uma semana e meia se passou...

" Que o senhor abençoe esses dois nomes aqui escritos, meu pai. Que ajude essas duas almas"

Mentalizo, escondendo o papelzinho de caderno com os nomes do Aron e do Ninja sob o obsoleto rádio dá minha avó em cima da geladeira. Eles carecem de muitas bençãos.

Minha avó e a Cibele adentram a cozinha e me pegam fazendo o nome do pai.

- Mais uma ouvinte do padre, dona Betina, a senhora contamina todo mundo com sua fé. Eu mesma carrego meu radinho para todas as casas que faço faxina, com exceção da sua. Depois que aprendi com a senhora a gostar desse programa, não largo mais! - Cibele ri alto, abraçando um cesto de roupas sujas junto a barriga.

Hoje é um dia que ela vem só para cuidar das nossas roupas. Minha avó fazia isso muito bem, mas tem sentindo muita dor nas costas. Se ela não fosse tão exigente, somente colocaria as benditas roupas na máquina e problema resolvido. A questão é que ela não confia na limpeza de uma máquina. Precisa ver roupas de molho, peças brancas sendo devidamente esfregadas e outras mais delicadas sendo lavadas a mão. Haja coluna!

Cibele, eficiente como sempre, dá conta do recado numa boa. Nesses dias, ela chega até um pouco mais tarde. Trabalhadeira, limpa algumas casas na parte da manhã antes de vir. Casas que demandam menos tempo na limpeza, por serem menos sujas. Conciliando direitinho, consegue ganhar o valor da lavagem e da faxina no mesmo dia, sendo que normalmente leva metade de um dia inteiro somente limpando uma casa grande como a nossa. Desta forma, ela sai no lucro.

Ela tem muito trabalho, seu nome é forte em sua área, e sua limpeza, elogiada nos quatro cantos do morro. Por essas e outras, é que pagamos felizes da vida seu merecido dinheirinho!

- Pois é... olha ai que benção de Jesus! Primeira vez que vejo ela mostrando tanto interesse no Padre Reginaldo. - o olhar da minha avó é triunfante. Nada a faz mais feliz do que eu estar mergulhada nas coisas de Deus.

Devo pontuar que tenho vagos vislumbres do programa matinal, por ela ligar o rádio num volume descomedido e atrapalhar minhas insistentes tentativas de dormir até depois das dez. Contudo, honestamente, nunca prestei a devida atenção nas palavras do sábio Padre por mais que os poucos minutos de duração do meu café.

Fico de bobeira ali na cozinha, ouvindo minha avó entrevistar a Cibele sobre suas outras patroas com uma curiosidade imprópria, depois roubo uma maçã da fruteira e as deixo para ir ao trabalho.

Adoro ficar de papo com elas pela manhã ou apenas curtindo uma preguiça no quintal, mas, por hoje, meu tempo para vadiagem acabou.

Combinei com meu pai de trocarmos o horário para eu poder acompanhar a Mel ao salão à tarde. Assumo o caixa umas horinhas mais cedo e meu pai me substitui a tempo do horário marcado para fazermos as unhas.

Ela também marcou depilação a cera, o que eu não preciso. A lâmina consegue dar conta dos poucos pelos remanescentes do laser que minha mãe me induziu a fazer, aos quinze anos, em todo meu corpo. Eles agora nascem em quantidade facilmente administrável.

Meu pai entra em casa para ver se vovó necessita de ajuda na cozinha. Já até sei o final dessa história: ela vai negar que precisa dele, mesmo precisando, e ele vai subir para tirar um cochilo antes do almoço.

Pelo que Mel disse, foi um milagre conseguirmos esse horário no salão " Bella's Sol", porque sexta-feira é um dia muito cheio por lá. Se não fossem duas desistências, ligando em cima da hora como Mel fez, não teríamos chance alguma. Estávamos conversando no WhatsApp quando a repentina ideia veio à mente dela e ela mandou mensagem para a dona; depois de confirmar com as clientes, a mulher ligou avisando que hoje teriam dois escassos horários vagos.

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