Após mais um banho para nos limparmos do que tínhamos feito — eu nem olhava na cara dele de vergonha, mas também me sentia mais mulher, mais adulta e desejável — , escovei novamente meus dentes para me livrar do gosto, e nos deitamos juntos no quarto gelado e escuro, apesar de ele me informar serem mais de cinco e meia da manhã.
Ele se deitou primeiro. Puxei a porta, me guiei por uma fenda de luz até a cama e ele ergueu o edredom, se afastando para que eu me acomodasse ao seu lado. Me abriguei juntinho dele, que nos cobriu. Com suas mãos rústicas me arrastou para junto de si, cheirando no meu cabelo o aroma do óleo para pontas e do shampoo que usei. Elogiou, me chamando de cheirosa mais uma vez. Eu, um sorriso abestalhado, o cheirei de volta e comentei que aquele perfume era o melhor de todos os perfumes masculinos que já foram criados.
Ele não se apegou ao meu comentário, pois devia saber muito bem disso há um tempo — outras mulheres deviam o elogiar constantemente. Era irritante pensar no fato de que eu não era a única a passar uma noite acordada com ele numa cama. Nunca seria.
Como sempre tenho feito, apaguei da mente esses pensamentos. Aprendi que não enfrentar a verdade também era uma saída.
Ele estava de lado, o braço sob minha nuca. De um jeito confuso, nossas pernas e corpos estavam enroscados. Ele era o primeiro homem com quem eu dormiria. Se é que eu iria conseguir pregar os olhos tendo tanta coisa para pensar e repassar, referente a noite de hoje. Ou melhor, madrugada.
Sua mão deslizava de novo e de novo da raiz dos meus fios até as pontas; ele me escrutava debilmente, parecendo relaxado depois... daquilo.
- E quem foi que deixou tu furar esse nariz ai, hein? Eu vi logo que tu desceu da moto ontem, mas nem comentei, tu tava toda exaltadinha. - ele tinha um tom jovial. Eu fiquei com a impressão de que ele, naquele momento, estava totalmente desinteressado do mundo lá fora e super interessado em mim.
Meu sorriso escorreu por todo o rosto. Eu era aquela garota melosa que caia em qualquer joguinho besta do namoradinho. Não que ele fosse meu namoradinho.
- Não estava exaltadinha, seu sem vergonha. Melhor eu nem entrar nesse debate com o senhor, seu Aron. - brinquei também, usando o substantivo como se estivesse falando de modo repreensivo.
Ele se sentiu provocado.
- Vai mesmo me chamar de senhor? Vou te chamar de mocinha e tu vai aloprar, vê bem.
- Ah... mas eu posso, coisa de artista e tal, sabe? - eu fazia voz e carinha provocantes, o que ele via na meia claridade e reprovava com a cabeça.
- Tu gasta muito, né? Sarneando a vera. Quando tu menos esperar o bote vem. - bateu forte em minha bunda, e eu dei um gritinho, mas tampei logo a boca, rindo conforme ele me beijava e arranhava meu maxilar com os dentes. - Gostosa. - sussurrou. - Quem deu aval de tu furar esse piercing ta na minha lista negra agora. Tu tem que pedir pra mim, ninguém te deu essa letra? Eu tô ai pra caralho.
Empurrei seu ombro para conseguir responder, já que quando ele usava os dentes em mim eu sentia cócegas e algo além também... Ele se ergueu no cotovelo; eu continuei deitada no travesseiro, levando a mão diretamente em sua nuca para acariciar enquanto apreciava seu rosto, e respondia:
- Foi minha vó. Presente por eu ter arrasado no show aquele dia. Ela é a única que pode mandar em mim. — na verdade, até meu irmão acabava mandando na minha vida, e eu permitia sem querer permitir. Era como se, mesmo sendo adulta, eu dependesse do apoio deles para qualquer coisa, ou sentisse que era preferível não fazer aquela coisa. Indiretamente, minha família decidia o que eu podia ou não fazer, onde eu podia ou não ir. Não por mandarem realmente, e sim, pelo respeito que eu tinha pela opinião deles. Pelo que podemos ver, esse respeito foi para o beleléu depois que conheci esse homem aqui, com esse rostinho lindo e bolado.
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Pique Al-Qaeda
Roman d'amourEle é uma bomba, um perigo. Ela sabe que não deve se arriscar tão perto, que pode se ferir com uma iminente explosão. Lia tem 19 anos, e uma perda a levou para o morro do Sol. Ajudar a família vem em primeiro lugar, até mesmo antes de seus desejos...