Capítulo Seis - Herôon

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No meio da vida acontece que a morte surge e mede o homem. 

A visita é esquecida e a vida continua. 

Mas o fato está feito, silenciosamente.

Tomas Tranströmer



Apenas uma única noite se passou para o surgir de novos ou velhos acontecimentos; o sonho retornara. Após cinco e longos anos sem ao menos ter a mínima recordação de seus delírios estranhos, essa noite em particular, Typson relembrara-os vividamente enquanto dormia. A mesma cena; o mesmo homem desesperado.

No sonho, tal homem aparentava a maturidade dos trinta anos; ele fugia de algo, que com a expressão do suposto desconhecido era claro que corria um grande perigo. Typson assistia a fuga a um novo ângulo, visualizando o enredo semelhante a um espectro, um espectador invisível, eupático. Percebera então que o suposto homem carregava consigo uma trouxa aos seus braços, acalentando-o conforme progredia floresta adentro.

Estava demasiado confuso. As árvores mais pareciam borrões de tintas mergulhadas em água, esboços esmaecidos além do misterioso homem e de sua carga preciosa. Ele falava, para o que que estivesse em seus braços, palavras cortadas ante o esforço, almiscaradas a certo nível. Era uma voz indiscernível, limitando-se ao inaudível.

Cada segundo que passava, o homem olhava para sua trouxa ofertando sorrisos cansados, confortando-o melhor em seus braços, acelerando o quanto podia os passos. Typson não precisou de muito para imaginar do que se travava o encargo, mas havia no ar algo de muito errado.

Então, ouviu-se um espantoso estrondo.

Desta vez o sonho não desapareceu, mas o pressentimento de que algo ruim aconteceria não deixara Typson atenuar. Era desesperante ver a aflição do desconhecido a correr pela vida, contudo, não pela dele, pois era óbvio que uma perseguição se sucedia e não pararia ao menos a seu encontro. O bebê chorou. E com o berro da criança, Typson despertara-se.

Sugou todo o ar de seu quarto ao abrir dos olhos. Passou as costas da mão em testa. Suava. Sentia seu coração saltar em seu peito, falhando sua respiração como de quem supostamente estivera a noite inteira correndo sem parar. Olhou para os lados procurando fôlego. Sentou à beira de sua cama apoiando-se com as mãos, fitando o chão sem um lugar em específico. Sentiu todo quarto girar, passando-se um bom tempo para levantar e caminhar decentemente.

O sol atravessava pelas falhas na parede de madeira, surtindo todo o quarto com feixes de luz, revelando os grãos de poeira das quais pairavam no ar. Num único movimento a janela fora aberta, permitindo o vento escorrer por seu corpo, pelo quarto e casa. Sentiu-se um pouco melhor com isso. A fome o abateu quando o aroma de leite invadiu seus sentidos, relembrando-o de que não comera nada ontem além da sopa de sua irmã. Sabia que estaria faminto pela manhã.

Sentiu a barriga roncar. Ouviu Ana chamá-lo.

– Já acordou, preguiçoso? – Surtia sua voz do outro cômodo. – Venha comer. E logo aviso: caso demore, você sabe das consequências.

Typson a imaginou sorrir.

Não havia o que descrever em seu quarto, pois sua cama consumia uma boa área do lugar; sendo os espaços restantes preenchidos por um baú alimentado por algumas roupas e pertences, e uma tora de madeira ao lado de sua cama da qual servia como suporte improvisado para as velas quando utilizadas. Além disso, só as teias de aranha que enfeitavam o teto em cortinas prateadas, ondulando a mais suave brisa. Typson até as apreciava, mas sua mãe não tinha muita simpatia com elas o que era compreensível, de fato.

A Jornada de um Assistente e a Esfera da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora